SINTESE: LEITOR DIGITAL? QUE NÃO LEIA E NEM ENTENDA

 Mauro Ribeiro Chaves


técnica por si só pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a escassez quanto a abundância, tanto o aumento quanto a abolição do trabalho árduo” (MARCUSE, 1999, p.74).

Esse fragmento, concebido pelo filósofo Herbert Marcuse, representa bem a dualidade dos temas relacionados à técnica, tecnologia e a toda a maquinaria relacionada aos modos de ser e fazer que a sociedade atual tem assumido para si. Máximo de eficiência e eficácia para um humano cada vez mais robotizado. Essa ideia de um sujeito com “personalidade objetiva”, ou seja, moldado pela máquina, que submete sua individualidade, restando a ele somente selecionar os meios mais adequados para cumprir uma tarefa que lhe foi determinada. Isso serve também para a leitura escolar/acadêmica. É deste lugar que leio os textos de CHARTIER E SANTAELLA.

Os conceitos de técnica e tecnologia são pautas já bastante exploradas por filósofos, sociólogos e pesquisadores, e ganharam novas dimensões na última década do século XX quando, de fato, a maquinaria informatizada surgiu e cresceu com a promessa de maior conforto e acessibilidade dos indivíduos. De fato, a conjunção de várias linguagens de comunicação num único equipamento (celular, tablete) trouxe a possibilidade de uma circulação de informações muito maior do que só a “mídia” impressa. Para além de novas capacidades de leitura (capacidade motora fina e cognitiva), por meio de instrumentos tecnológicos, é necessário não deixar de lado a questão social, ou seja, num país com tamanha desigualdade econômica, quem tem acesso a esses novos instrumentos e suas novas formar de ler? A população carente (pobre) continua analfabeta e sem acesso à leitura impressa que dirá a digital.

A tecnociência de fato é um grande avanço para a sociedade, mas deixou mais marcada as linhas da desigualdade sociais. Para ler é preciso ser alfabetizado. Para ler é preciso ser alfabetizado e letrado. Para ler e escrever através de mídias e equipamentos tecnológicos (sim, porque são coisas distintas), é preciso igualdade social. Os jovens desta geração, também conhecidos como nativos digitais, não demonstram dificuldade intelectual ou motora para manipular equipamentos, o que apresentam são dificuldades de acesso, dificuldades socioeconômicas. Para as questões relacionadas à imersão digital, a própria autora Santaella em “operações indutivas no processo de navegação” (p. 108) revela que os processos de aprendizagem podem acontecer por tentativa e erro, até que se tornem um hábito.

Nos dias atuais, ter um celular (ou outro equipamento eletrônico) não significa ter o “poder” de leitura de mundo, mas sim o poder da acessibilidade/conectividade. A posse de um equipamento só representa o esforço do indivíduo para acompanhar a complexificação dos modos de leitura nos dias atuais, submetidos a uma política de consumo de tudo, inclusive de informações.

A escola, uma instituição de controle, e seus agentes (professores, técnicos, pais e alunos) são, em parte, responsáveis pela capacidade de leitura dos indivíduos mais novos. Mas antes da l eitura de um texto, o compromisso destes atores é o de potencializar as formas de se compreender e expressar, de forma urbana, no meio que em está inserido, com as linguagens que estão ao seu alcance. Mesmo que as redes sociais, os equipamentos tecnológicos representem um caminho sem volta na comunicação, no conhecimento, na pesquisa, na produção e registro de conhecimento artístico e científico, ainda seremos seres vivos necessitados de sensibilidade e gentileza em qualquer espaço onde se tenha relacionamento humano, inclusive na escola, o que máquina nenhuma pode simular ou proporcionar. Não se trata de ser avesso à tecnologia, mas sim de não trasnformá-la numa ditadura digital.

As ideias e discussões sobre acesso à leitura e as evoluções da mídia e seus aparatos são necessidades cada vez mais presentes na vida dos Brasileiros. O desmonte da cultura, da educação e o pouco-caso com a saúde e segurança de nosso povo têm revelado que a responsabilidade pela alfabetização e letramento de um indivíduo não é somente da escola, mas de cada um de nós. Fica cada vez mais claro que as desigualdades sociais são presentes e que a proposta da elite que sempre esteve no poder é de que é mesmo importante que não leiam e, se lerem, que não entendam.

Referências

CHARTIER, Roger. A aventura do livro - do leitor ao navegador. São Paulo: Editora da UNESP, 1998.

SANTAELLA. Lucia. Navegar no ciberespaço. O perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.







Comentários

  1. Mauro, gostei do debate que você traz em seu texto! Você deixa clara sua preocupação com a questão da exclusão digital, que de fato é um ponto essencial quando tratarmos da leitura digital na sala de aula. Penso, contudo, que a escola não pode esperar esta inclusão acontecer para começar a tratar das TICs . Temos que trazer isso para a sala de aula, como uma forma de não reforçar a exclusão. Um abraço!

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