SÍNTESE: QUAL LEITURA (NÃO) SE FAZ ATUALMENTE?

Natália Mazzilli Dias


“Os jovens de hoje não leem, não se informam, passam os dias imóveis diante das telas”... Esse é o discurso que permeia o senso comum e até mesmo as salas de professores, entre um café apressado e uma checagem nas mensagens do celular. É possível, de fato, dizer que atualmente não se lê? Ou que o navegador da internet está imóvel diante da tela, um receptor passivo e alienado?


Imagem: Uma mão segurando um celular. Fonte: Unsplash

No livro A aventura do livro: do leitor ao navegador, Chartier (1998) realiza um trabalho histórico de análise sobre as transformações do livro, da leitura e dos papéis exercidos socialmente em torno destes – o autor, o editor, o leitor.... Em formato de entrevista e ricamente permeado por obras de arte visuais que retratam distintas atividades de leitura, o autor instiga discussões muito interessantes, passeando pelos séculos e países de maneira dialética.

É interessante o texto de Chartier porque, a partir da maneira dialética com que escreve e analisa diferentes contextos histórico e sociais, percebemos que a revolução dos livros não se deu de forma estanque. Iniciou-se em determinado período, mas os formatos, os papéis de editor, autor e leitor, as gramáticas, as formas de publicação e distribuição seguem alterando-se até os dias de hoje, de maneira revolucionária e ao mesmo tempo contínua.

Nessa análise, é possível inferir que a navegação online, o consumo de informações digitalizadas também é uma forma de leitura. A autora Lúcia Santaella (2004) nos explica isso de maneira muito didática em seu livro Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo.

Os principais objetivos da autora na realização da pesquisa que originou este livro, bem como da publicação presente, é compreender e categorizar as habilidades cognitivas (nisto incluem-se as habilidades sensório-motoras) necessárias para o leitor da hipermídia. Portanto, Santaella buscou caracterizar esse perfil de leitor da era digital, os traços específicos que não são comuns aos leitores do livro impresso e do papiro.

Conforme defende a autora, o leitor imersivo, característico da navegação nesse espaço, relaciona-se com as características da hipermídia: é um leitor que não se atém apenas a textos escritos, mas também a imagens, sons e vídeos; desenvolve uma capacidade de interação e de criação para agir sobre a rede; possui uma concentração mais plural e menos linear.

Imagem: Braços diante de canetas, folhas, celular e computador. Fonte: Unsplash

Essas análises tão pertinentes nos permitem observar, para além do óbvio, a riqueza de habilidades e aprendizagens alavancadas pela navegação digital. Cabe ainda ressaltar a contrapartida a “imobilidade” do leitor imersivo, tão combatida por Santaella (2004), a qual faz uma discussão muito pertinente acerca da dualidade que permeia o senso comum, a partir da qual acredita-se que mente e corpo são dissociados e, portanto, a leitura de hipermídia mobiliza apenas a mente. Na realidade, aponta a autora, tanto mente quanto corpo são mobilizados (principalmente o sistema háptico) e trabalham ativamente nessas situações.

"[...] quando se navega no ciberespaço, por fora, o corpo parece imóvel, mas, por dentro, uma orquestra inteira está tocando, cujos instrumentos não são apenas mentais, mas, ao mesmo tempo, numa coordenação inconsútil, perceptivos, sensórios e mentais" (p. 149).

A partir dessas importantes leituras que se faz sobre a leitura, cabe repensar sobre o que os jovens – e a sociedade, num geral - estão, na verdade, lendo. O papel dos professores nesse contexto de leitura digital é, portanto, compreender essas habilidades e mediar oportunidades de leitura imersiva.

Fontes:

CHARTIER, Roger. A aventura do livro. Do leitor ao navegador. Conversações com Jean Lebrun. 1ª reimpressão. Tradução Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Editora UNESP, 1998.

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.


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Comentários

  1. Ná, você conseguiu fazer uma síntese interessante para divulgar as principais ideias dos dois livros, de forma simples e direta, o que, pensando no nosso público de leitores, é muito importante.

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    1. Que bom, Telma! Muito obrigada pelo seu comentário!

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  2. Estando na sala de aula e na dos professores, infelizmente, quer percebo que esse senso a respeito da (falta de) leitura é comum e cresce exponencialmente. Isso alarga o abismo entre professores e alunos em vez de construir pontes. Excelente reflexão, Natália.

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    1. Você tem razão, João, isso apenas aumenta a distância que deveríamos estar preocupados em reduzir. Obrigada pelo comentário!!

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  3. Natália, sua síntese foi muito bem construída, mostrando de forma clara o que lemos nos dois livros, trazendo como ponto de reflexão a concepção de leitura que permeia a afirmação de que os jovens (e os adultos?) não leem atualmente. Importante problematizarmos essa questão realmente.

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    1. Fico feliz que tenha gostado, Érika, muito obrigada!

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  4. Excelente colocação de ideias diante das duas obras Natália. Realmente a telinha do celular acaba sendo o foco atual das buscas por notícias, por adquirir um livro e tê-lo ali na sua mão. Acho que o celular, por exemplo, por muito tempo foi visto como um "ambiente" para entretenimento e muitos professores quando se deparavam com seus alunos nos aparelhos, é claro, pensavam em redes sociais, em jogos... enfim, não dá mais para separá-lo na relação entre aluno e professor. Além do mais, realmente ele pode ser usado a favor da educação, todavia depende do professor definir estratégias a seu favor para inseri-lo no contexto educacional. Essa foi a reflexão que tive na leitura do seu texto.

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