ESTADO DA ARTE - LEITURA NO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL (1)










SÍNTESE ESCRITA DOS 3 ESTUDOS ANALISADOS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Educação
Programa de Pós-graduação em Educação
Disciplina: Leitura e Ensino
Professor: Ezequiel Theodoro da Silva
Pós-graduando: Diego Pereira
Data: 01 de novembro de 2017

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LEITURA NO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL, CONSOANTE TRÊS PESQUISAS ATUAIS:
OU PORQUE INSCREVÊ-LOS EM UM “CONJUNTO DE INFORMAÇÕES QUE ORIENTEM UMA PRÁTICA MAIS EFICIENTE”

[...] as crianças nunca chegam à escola num estado de ignorância, mas podem chegar analfabetas. Elas talvez não saiam analfabetas, mas podem sair ignorantes... (SILVA, 2011 [1980], p. 112).

A atividade leitora, que se “se faz presente em todos os níveis educacionais das sociedades letradas” (SILVA, 2011 [1980], p. 35) e se revela “um instrumento de acesso à cultura e de aquisição de experiências” (Ibid., p. 36), pode, no modo como é empreendida na escola, limitar aquilo que naturalmente enseja, a exemplo da experiência cultural do aluno-leitor, quando “tomada como um comprometimento do indivíduo com a sua própria existência” (Ibid., p. 36).
Nesse sentido, requisitar ou inserir a leitura, sob suas múltiplas facetas, nas propostas da educação institucionalizada, não produz a transformação a ela creditada. Antes, adverte também Silva (2011 [1980]), é preciso concebê-la em um “conjunto de informações que orientem uma prática mais eficiente” (Ibid., p. 37), atentando para a “investigação sobre o ato de ler do aluno-leitor brasileiro” (Ibid., p. 38).
Para tanto, é claro, importa acompanhar a atualização das correntes teórico-metodológicas e do contexto histórico-cultural nos quais se inscrevem o ensino e a aprendizagem da leitura em um determinado nível e etapa da educação (o que a pesquisa acadêmica recente tem promovido a esse respeito, em diversas áreas). Tarefa essa da qual o professor não pode prescindir e que, sobretudo nas duas últimas décadas, já o interessa também enquanto pesquisador.
Confirmam essa tendência, inclusive, as três dissertações de mestrado a seguir elencadas (LEITE, 2014; LOURETO, 2016; NOCRATO, 2016), produzidas por professoras da Educação Básica que, atuantes na escola pública, dela extraíram o objeto de sua pesquisa: as habilidades de compreensão já introduzidas, aprofundadas e consolidadas pelos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental em sua atividade de leitura, bem como aquelas por introduzir, aprofundar e consolidar. Isso, tendo por base o retrato de uma escola (LEITE, 2014; NOCRATO, 2016) ou de uma rede de ensino (LOURETO, 2016).
A síntese dessas três pesquisas, convém ressaltar, constitui o presente trabalho que, centrado no modo como foram realizadas e nos resultados por elas alcançados, objetiva reunir as suas descobertas para um maior “conhecimento da leitura ou leitor ou ensino da leitura no 9º ano” do Ensino Fundamental, conforme se pode verificar hoje no país, ou em algumas de suas escolas.
Em sua dissertação de mestrado, intitulada “As atividades de leitura dos alunos do 9º ano do ensino fundamental: reflexões sobre as estratégias metacognitivas de compreensão leitora” e defendida em 2014, sob orientação da Profa. Dra. Daniela Gomes de Araújo Nóbrega, no Centro de Educação da Universidade Estadual de Paraíba; Maria de Jesus Cunha Farias Leite propõe-se à investigação das estratégias de compreensão leitora conscientemente utilizadas por determinadas alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, quanto à natureza, à frequência e ao impacto das mesmas em sua aprendizagem, verificando como o livro didático, através das atividades de leitura que reúne, favorece ou não a manipulação de tais estratégias. Com esse trabalho, a autora constata a imprescindibilidade das estratégias metacognitivas à compreensão leitora, em que pese a transformação dessas em estratégias cognitivas, por parte do aluno, e da correta / adequada mediação desse processo, por parte do professor.
Quanto à fundamentação teórica, Leite (2014) serve-se, em especial, de Solé (1998), Kato (1987) e Kleiman (2012), para tratar das concepções de leitura e de leitor ou, ainda, do processamento da atividade leitora, diferenciando-lhe as estratégias metacognitivas das estratégias cognitivas, cuja categorização também interessa ao propósito da pesquisa ora destacada e é realizada a partir de Solé (1998), Kleiman (2002) e Araújo (2011) – com enfoque nas estratégias metacognitivas (SOLÉ, 1998). Outros autores/pesquisadores são aludidos quando da discussão dos desafios e perspectivas do ensino da leitura na escola pública contemporânea (MATÊNCIO, 2000; CAMPS, COLOMER, 2002; ANTUNES, 2003; SENNA, 2005; CAGLIARI, 2009) e das especificidades da prática docente nesse contexto (DEMO, 2000; MATÊNCIO, 2000; CAMPS, COLOMER, 2002; ANTUNES, 2003; CAGLIARI, 2009; SOUSA, 2011).
Sobre a configuração metodológica de sua pesquisa (de natureza e caráter qualitativos, mas, também um estudo de caso intrínseco, como bem demarca), Leite (2014) a realiza em uma escola pública de Boa Vista (PB), seu local de trabalho, e, mais especificamente, em uma classe do 9º do Ensino Fundamental – série, à época (2012), avaliada negativamente nas três últimas edições do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), quanto à meta que lhe fora estabelecida pelos índices anteriormente obtidos. A classe em si é composta por 42 alunos, com idade entre 13 e 16 anos, oriundos da zona urbana e da zona rural, e colabora com a pesquisa em três momentos distintos, no intervalo de três semanas. O livro didático adotado naquele contexto, vale a ressalva, corresponde a uma coleção canônica: “Português: Linguagens”, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães.
No primeiro momento da pesquisa, Leite (2014) submete os alunos à resposta de um questionário investigativo sobre suas concepções e hábitos de leitura, instigando-lhes, dentre outras reflexões, à das estratégias metacognitivas por eles acionadas na atividade de compreensão leitora. Já no segundo e no terceiro, a classe é levada à leitura de dois textos extraídos do livro didático (um cartum e uma crônica), bem como à realização das atividades de compreensão leitora correspondentes.
Gerados os dados, a pesquisadora procede a sua análise, verificando se as estratégias metacognitivas de compreensão leitora aludidas pelos alunos no primeiro momento são por eles acionadas no segundo e no terceiro, e qual o impacto das mesmas à aprendizagem da leitura, quando mediadas única e exclusivamente pelo livro didático. Razão pela qual Leite (2014) acaba por sugerir ao professor, no ensino da leitura com foco na aprendizagem da compreensão leitora, a adoção de sequências didáticas que oportunizem a introdução, o aprofundamento e a consolidação de estratégias metacognitivas, nas etapas da pré-leitura, durante a leitura e pós-leitura.
Segundo o que a pesquisa de Leite (2014) evidencia, o maior desafio ao ensino da leitura eficiente/eficaz no Ensino Fundamental – Anos Finais continua sendo o da aprendizagem da compreensão textual. No caso dos alunos do 9º ano, as estratégias que eles utilizam conscientemente para isso não abarcam as três etapas da atividade leitora (pré-leitura, leitura-in-actu, pós-leitura), mostrando-se frágeis ante os princípios da diversificação e da complexificação. O livro didático, por seu turno, parece limitar, em abrangência e profundidade, a consolidação dessas estratégias, constituindo um obstáculo à transformação daquelas ditas metacognitivas em cognitivas.
Relacionam-se como esses dados contextuais as duas dissertações de mestrado a seguir descritas, “Correlação entre o nível de leitura de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e o rendimento global” e “Ensino de habilidades de leitura para o desenvolvimento da compreensão leitora: proposta de sequência didática para alunos de 9º ano da rede pública”, ambas defendidas em 2016, no Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará, por Mídian Barroso Loureto e Raquel Nunes Nocrato, respectivamente, sob orientação, de igual modo respectiva, das Profas. Dras. Elisângela Nogueira Teixeira e Maria Elias Soares. Sobretudo, porque Loureto (2016) e Nocrato (2016), não muito diferente de Leite (2014), constatam, cada uma ao seu modo, lacunas na aprendizagem leitora dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, especialmente quanto à assimilação / uso de estratégias de determinadas estratégias, habilidades e/ou competências, procurando alternativas à superação desse desafio. Todas elas, professores desse nível / etapa de ensino, compartilham, em suas pesquisas, de uma mesma motivação: garantir aos seus alunos o efetivo domínio da leitura, para o pleno exercício da cidadania.
Quanto à pesquisa de Loureto (2016), seu objetivo é o de diagnosticar o nível de proficiência leitora demonstrado por um grupo de alunos do 9º do Ensino Fundamental, inventariando quais as habilidades e competências de leitura já desenvolvidas / aperfeiçoadas pelo mesmo, bem como aquelas a desenvolver / aperfeiçoar. Mas, isso para analisar a relação existente entre o nível de proficiência leitora demostrado por tais alunos e o seu rendimento global em disciplinas de outras áreas do conhecimento (Matemática, Ciências, História e Geografia).
Teoricamente, justificam essa pesquisa os estudos de Morais (1996) e Oliveira, Boruchovitch e Santos (2008), nos quais a leitura é concebida disciplina de ensino e instrumento para aprendizagem, ou uma capacidade cognitiva, ao lado de outras, indispensável ao êxito escolar. Em se tratando da avaliação da proficiência leitora – de tomar esse processo não só como o apontamento de desvios, deficiências e inadequações, mas, como um compromisso para com a transformação da leitura a partir dos desvios, das deficiências e das inadequações eventualmente apontados –, Capovilla e Dias (2007) são frequentemente aludidos pela autora, inclusive com relação ao item anterior (mapeamento das estratégias de leitura e sua relação com o rendimento escolar global). Siqueira e Zimmer (2006), ao lado de Teixeira (2013), acabam por servir à identificação dos fatores que condicionam o processo de leitura, a saber: as estratégias linguísticas – distribuídas nos níveis fonológico, ortográfico, morfossintático, semântico e pragmático – e as estratégias cognitivas, dentre as quais, a ascendente, a descendente e a integradora. Já quando do estabelecimento dos descritores para o diagnóstico da proficiência leitora, recorre-se, evidentemente, aos documentos oficiais como os “Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa” (BRASIL, 1998) e a “Matriz de Referência de Língua Portuguesa: Tópicos e seus Descritores” (BRASIL, 2008).
Para esse seu estudo, descritivo e quantitativo, em que se emprega métodos estatísticos, Loureto (2016) elege enquanto participantes 191 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, com idade entre 13 e 15 anos, distribuídos em três classes, cada uma vinculada a uma escola diferente da periferia de Fortaleza (CE). Para a geração dos dados da pesquisa, estes foram submetidos a um questionário socioeconômico e a um teste de proficiência leitora, como nos moldes da Prova Brasil, de onde se extraiu parte das questões, todas elas relacionadas a tópicos e descritores muitos específicos da matriz de referência de Língua Portuguesa do 9º ano – no caso dos tópicos, “procedimentos de leitura”, “coerência e coesão no processamento do texto” e “relações entre recursos expressivos e efeitos de sentido”.
Enquanto a análise dos dados socioeconômicos demostra que, a despeito de os alunos se inscreverem em um contexto histórico-cultural nem sempre ideal à otimização de sua aprendizagem escolar (família numerosa, com baixo grau de escolaridade e sujeita a uma renda mensal igual ou inferior a um salário mínimo), eles leem com significativa frequência, especialmente pelo advento da Internet, preferindo quadrinhos e tirinhas a outros gêneros textuais; a análise dos dados da proficiência leitora demonstra uma defasagem em relação aos padrões esperados para a série, além da correspondência entre esse nível de leitura dos alunos e seu rendimento global nas diversas disciplinas.
No que se refere à pesquisa de Nocrato (2016), seu objetivo não difere muito do de Loureto (2016): investigar quais as dificuldades de leitura demonstradas por alunos do 9º do Ensino Fundamental, testando seu desempenho ante a atividades de compreensão leitora, que requerem a consolidação de habilidades e competências muito específicas, a fim de comprovar a relevância de uma abordagem didático-pedagógica que, nesse contexto, se estruture em torno de tais dados. Talvez por isso essas duas pesquisas tenham um auto grau de correspondência teórica e, daqui por diante, seja oportuno tratar, em relação à segunda, de sua inscrição metodológica e de alguns dos resultados obtidos.
Neste estudo que classifica como de natureza descritiva e caráter qualitativo, Nocrato (2016) elege enquanto participantes 33 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, com idade aproximada de 15 anos, que, provenientes de duas classes, ambas vinculadas a uma mesma escola pública de Fortaleza (CE), são redistribuídos pela pesquisadora em dois grupos: 16 em um grupo experimental, aquele dos alunos com menor proficiência leitora, e 17 em um grupo controle, aquele dos alunos com maior proficiência leitora. Esse diagnóstico, possível a partir da aplicação de um pré-teste de leitura, constitui a primeira etapa da pesquisa e se deu no primeiro encontro das pesquisas com ambos os grupos. A segunda equivale a uma ação restrita ao grupo experimental – neste caso, ao desenvolvimento de 8 oficinas, cada uma ministrada com o objetivo de favorecer a consolidação de uma das 8 habilidades de leitura mais reportadas no teste como por consolidar. A terceira e última, com a contemplação dois grupos (experimental e controle), corresponde à aplicação do pós-teste. Sobre o teste e o pós-teste, suas questões constitutivas foram extraídas de exames similares promovidos por sistemas de avaliação municipais, estaduais e nacionais. A maior referência, como no caso da pesquisa de Loureto (2016), é a “Matriz de Referência de Língua Portuguesa: Tópicos e seus Descritores” (BRASIL, 2008).
A título de resultados, vale a síntese da própria pesquisadora:

[...] embora o desempenho do grupo experimental não tenha superado o do grupo controle no pós-teste de forma geral, seu desempenho nos descritores correspondentes às oficinas realizadas melhorou, sendo superior ao do grupo controle. Atribuímos essa melhora ao envolvimento dos estudantes nas oficinas, aos conteúdos apresentados, aos exemplos fornecidos pela professora, às atividades realizadas e à interação da turma com a professora e entre si. (NOCRATO, 2016, p. 93).

A importância de todas essas pesquisas reside mesmo no fornecimento de informações ao professor sobre como oportunizar aos seus alunos uma aprendizagem significativa da leitura. De acordo com Leite (2014), trata-se de garantir ao aluno-leitor a aprendizagem da decodificação e da compreensão textual, através do desenvolvimento / aperfeiçoamento de estratégias afins, em cada uma das etapas de leitura (pré-leitura, leitura-in-actu, pós-leitura) – observados, é claro, os princípios da diversificação e da complexificação –, para a transformação das estratégias ditas metacognitivas, conscientes (porque em assimilação), em estratégias ditas cognitivas, inconscientes (porque assimiladas). Nesse sentido, o professor deve estar atento, ainda, ao modo como o livro didático promove a leitura, analisando a abrangência e a profundidade das atividades de compreensão leitora inscritas na obra, a ponto de complementá-las, quando julgar necessário. Abordagem didático-pedagógica essa que só faz sentido, na perspectiva de Loureto (2016) e Nocrato (2016), se assentada na proficiência leitora demonstrada pelos alunos, cujo diagnóstico também é tarefa do professor e se justifica pelo impacto de uma ação docente que o enfoque sobre o rendimento global desses alunos nas diversas disciplinas.

REFERÊNCIAS

LEITE, Maria de Jesus Cunha Farias. As atividades de leitura dos alunos do 9º ano do ensino fundamental: reflexões sobre as estratégias metacognitivas de compreensão leitora. 2014. 95 f. Dissertação (Mestrado em Formação de Professores) – Centro de Educação, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2014.

LOURETO, Mídian Barroso. Correlação entre o nível de leitura de alunos do 9º ano do ensino fundamental e o rendimento global. 2016. 94 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2016.

NOCRATO, Raquel Nunes. Ensino de habilidades de leitura para o desenvolvimento da compreensão leitora: proposta de sequência didática para alunos de 9º ano da rede pública. 2016. 134 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2016.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. (1980). O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011.


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