LER PARA REAGIR (011): DAS VIOLÊNCIAS CONTRA PROFESSORES

  Texto de Ezequiel Theodoro da Silva, maio de 2013                       

                         

De todas as desgraças ocorridas no âmbito da educação brasileira nestes últimos tempos talvez as mais perversas sejam aquelas relacionadas à agressividade e violência dos estudantes contra os seus professores. A APEOESP, por exemplo, através de pesquisa recente, estima que os casos de agressão a professores estejam crescendo 20% a cada semestre; de 10 professores, 6 já foram vítimas de algum tipo de agressão nas escolas paulistas. A imprensa continuamente mostra incidentes cada vez mais esdrúxulos de violência contra os professores, atingindo até mesmo o absurdo dos espancamentos, numa escalada desconcertante, geradora de um imenso mal-estar em todo o país.

As raízes desse mal-estar devem ser buscadas no contexto geral da sociedade brasileira, onde brotam e se reproduzem os maus exemplos, latrocínios, homicídios e desvios de conduta (crueldade, mentira, agressividade, etc.), coroados pela imoralidade, falsidade, impunidade, etc. Esses fenômenos são privilegiados pela mídia, principalmente a televisa e a imprensa marrom, que passa a amplificá-los e reforçá-los através de programas ou telejornais cujo conteúdo que prepondera - ou redunda - é a violência e todos os ornamentos bizarros que ela projeta junto às faixas sociais, entre elas a infância e a juventude.

Os efeitos ou reflexos do contexto maior (sociedade) nos contextos menores (escola, família, trabalho, etc.) sem dúvida explicam, em grande parte, o surto crescente de violência nas salas de aula, recaindo principalmente sobre a pessoa do professor. Entretanto, a partir de uma análise daquilo que ocorria nas escolas até bem pouco tempo atrás, podemos encontrar uma outra razão para os constrangimentos de natureza agressiva ou violenta que, a partir de um determinado ponto da nossa história, começaram a crescer em termos de incidência e frequência. Uma breve retrospectiva da evolução histórica da escola brasileira traz à nossa mente o fato de que eram os professores que, via palmatória e/ou outros expedientes disciplinadores (sovas, cocadas, ajoelhar no milho, ficar em pé olhando para a parede), castigavam e agrediam os alunos  sob a égide da obediência e do adestramento.

No artigo "Mudanças sociais e função docente" [in "Profissão Professor", Antonio Nóvoa (Org.). Porto Editora, 1999], José Maria Estéve aponta para uma inversão de lógicas no âmbito da educação escolarizada em vários países do mundo. Em termos mais específicos, para Estéve, a lógica docente ou magistrocêntrica cedeu lugar, contemporaneamente, à lógica discente; se no passado não muito longínquo era o professor que segurava a batuta, batia na mesa e detinha a razão, hoje em dia quem tem razão é o aluno. Com esta inversão, sem dúvida de caráter extremista, a autoridade docente se enfraquece ou se pulveriza, levando muitos professores a temerem quaisquer atitudes e/ou ações que possam ser percebidas ou interpretadas como coercivas, proibitivas ou punitivas, entre elas o “atribuir notas baixas”. E todo o aparato normativo, por ter sido produzido a partir  dos abusos contra a infância, pende para o lado dos alunos, reforçando assim o poder da lógica discente. 

Se o mal-estar em relação aos múltiplos fracassos da escola já é grande e constatado pela população em geral, ele é muito maior quando incorporado pelo professor nas interações travadas com seus grupos de alunos na diferentes séries escolares. Tendo sido – também - transformado num objeto de violência e agressão, o professor apresenta diferentes comportamentos como: desajustamento e insatisfação, pedidos de transferência, medo e inibição, abandono da profissão, absenteísmo laboral, esgotamento, estresse, autodepreciação, neuroses, e depressões. Quer dizer: às outras violências (salário minguado, péssimas condições de trabalho, jornadas fatigantes, desrespeito generalizado à profissão, etc.) já sofridas dentro da profissão, soma-se agora mais uma violência: a física, praticada por aqueles a quem o professor tem por responsabilidade educar, informar e formar, desenvolver valores, etc. Resulta daí uma  inversão paradoxal de expectativas; no fundo, extremamente desafiadora em termos de enfrentamento e superação. 

Qual a saída para este estado de coisas? Afora os arranjos que devem ser feitos na sociedade como um todo, sustando urgentemente o cultivo e a banalização da violência, no âmbito da escola a solução reside no equilíbrio sadio das duas forças aqui descritas de modo que o professor e seus alunos saibam se respeitar mutuamente dentro de uma ambiência democrática - ambiência na qual conhecimento possa ser (re)produzido e onde uma nova ética ou uma sólida base para a convivência harmônica possa ser  assumida por ambas as partes.

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