ENTREVISTA: LEITURA DE PROFESSORES

 Ezequiel Theodoro da Silva entrevistado pela Revista do Professor


Percebemos que muitos professores encontram dificuldades para incentivar seus alunos a ler mais. Por que isso ocorre?
Eu diria que as dificuldades não se voltam apenas ao "ler mais"; por vezes elas decorrem do "ler", aqui tomado de forma abrangente. Ou seja, os professores simplesmente não sabem o que fazer para conduzir os seus alunos à leitura de materiais escritos, principalmente impressos. Existe um leque imenso de causas para explicar tais dificuldades, desde as que se centram no repertório pedagógico do professor até aquelas oriundas da pobreza da infraestrutura da escola para promover a leitura e educar os alunos leitores, passando, atualmente, pela concorrência de outras mídias (televisão, internet, etc), talvez mais atraentes e sedutoras às crianças e aos jovens. Com base em minhas investigações a respeito dos porquês do fracasso da escola brasileira na área da promoção da leitura, eu diria que existe um conjunto maquiavélico de fatores intraescolares que age contra a educação objetiva dos leitores - fatores esses que nunca foram inteligentemente enfrentados pelos governos e que, por isso mesmo, deitaram profundas raízes no ambiente escolar, transformando-se numa espécie de "negatividade encarnada" na cabeça dos professores e dos gestores. Por vezes, essa negatividade, expressa na forma de preconceitos e estereótipos, incorpora a ideia de que os alunos não gostam e nunca vão aprender a ler, de que os alunos têm preguiça para adentrar os livros, de que há pouco ou nada a fazer em decorrência das condições de produção da leitura na escola, de que os pais não colaboram e coisas assim. Dessa forma, no processo de enfrentamento dessas causas, não bastará o provimento condigno das escolas com materiais de leitura em diferentes suportes (impressos e digitais), mas exigirá uma boa mexida na cabeça dos professores no sentido de mostrar-lhes que a escola é o principal reduto de inserção dos estudantes no universo da escrita e que o professor é um mediador vital nos processos de letramento.

Falta aos professores um arcabouço literário e cultural para trabalhar a leitura em sala de aula?
Na linha da história da educação brasileira, a formação básica dos professores nunca contemplou com a devida profundidade e importância a área da leitura. De fato, essa formação passava por alto pelos métodos de alfabetização e alguns aspectos relacionados à psicologia dos leitores. Com isto, os professores, por lacuna de formação, se tornaram presas fáceis dos livros didáticos e para didáticos, geralmente comprados pelo governos e enviados às escolas ou então trabalhados pelo marketing das grandes editoras dentro do contexto escolar. Tal subserviência faz com que o professor, no que se refere ao encaminhamento da leitura, perca a vez e a voz, ou seja, perca a sua autoridade docente para uma voz que já vem pronta e imposta de fora para dentro (a voz do livro didático). Nos dias de hoje, a formação dos professores vem sendo cada vez mais aligeirada, quando não banalizada pelas faculdades de beira de estrada e por cursos à distância sem nenhum controle de qualidade. Tenho evidências para mostrar que a formação dos professores se faz principalmente com textos xerografados, fragmentados, que não fornecem uma visão coerente dos fenômenos da realidade e/ou o pensamento unitário dos autore . Ademais, é sabido que a carreira de professor, à luz dos salários e condições de trabalho, é, no mais das vezes, uma opção de pessoas que não possuem repertório cultural e literário mínimo - tudo isto reverte em má qualidade do ensino e em péssima formação de leitores. E os indicadores de desempenho em leitura, conforme as avaliações oficiais dos governos, mostram, escancaradamente, que as coisas não vão bem em leitura e escrita. Já há um bom tempo esse fenômeno se repete, indicando que as causas do problema não foram e não são atacadas com estratégias inteligentes e saneadoras.

Para aprender a incentivar os estudantes, o professor deve antes aprender a ser um leitor?
A professora Marisa Lajolo, no artigo "O Texto não é Pretexto", publicado no livro "Leitura em Crise na Escola. As alternativas do professor" (Editora Mercado Aberto, 1983), afirma que se o professor não for um bom leitor são grandes as chances de que seja um mau professor. Concordo com essa ideia de Marisa mesmo porque todo professor deve ser, antes de tudo, um informante, um modelo e um exemplo de leitura aos seus alunos. E, para tal, precisa ser um leitor ávido e maduro, possuindo experiências e vivências com uma multiplicidade de autores e obras. Considerando a evolução dos suportes da escrita, eu diria que o professor necessita estar situado nos horizontes da Internet e das linguagens digitais, sem o que pode fica se apresentar com um profissional obsoleto e fora do seu tempo. Não estou afirmando que o professor precisa ser um "erudito', versado em beletrismo ou coisas do tipo. Pelo contrário, estou dizendo que o professor, enquanto símbolo da cultura e do conhecimento, necessita de uma convivência adequada com uma multiplicidade de suportes e gêneros de escrita para poder dar o seu testemunho de leitor em sala de aula. Existem estudos que mostram a necessidade de bons modelos de leitor e de bons exemplos de situações de leitura, que sirvam de espelho aos jovens - daí se pensar, hoje em dia, em cidades ou comunidades leitoras, que exala exemplos a todos os membros de uma comunidade e dispõe de centros de difusão da escrita para permitir acesso e usufruição democrática dos bens que fazem parte do mundo da escrita.

Como incentivar esses professores a adquirirem o hábito da leitura?
Proporcionando salário justo e condições dignas de trabalho. Uma investigação que realizei recentemente mostrou que um dos problemas fundamentais a exiguidade de leitura entre os professores é a sua falta de tempo. Ora, o tempo é uma condição sina qua non, ao lado da energia física, para que uma pessoa possa ler. Mais especificamente, se não tenho tempo e nem energia física/mental para mergulhar num texto, a minha leitura será impossível ou ficará extremamente prejudicada. Ocorre que o salário do professor é baixo, fazendo com que ele tenha de redobrar ou triplicar o número de aulas semanais - com isto, sobra-lhe pouco tempo para estudo, pesquisa, leitura e atualização, além, é claro, de restringir-lhe sobremaneira as suas possibilidades de aquisição de obras nas livrarias e/ou as assinaturas de jornais e revistas. Portanto, creio que a melhoria salarial e a transformação, para melhor, da infraestrutura do trabalho dos professores são condições fundamentais para que o hábito de leitura seja adquirido e desenvolvido pelos professores. Cabe lembrar que as práticas de leitura deveriam ser inerentes ao magistério - isto porque o trabalho docente envolve dois compromissos fundamentais: um com o conhecimento e outro com a formação humana. Em essência, esses dois compromissos envolvem leitura, muitas práticas de leitura.

Seria interessante criar grupos de leitura com os professores?
Clubes, círculos, rodas e grupos de leitura são sempre importantes para ativar a interação, a partilha e a interlocução em torno de leituras feitas, em andamento e/ou por fazer. Entretanto, a participação nesses grupos pressupõe tempo, energia, equipamentos, materiais, etc - dessa forma, caímos novamente na esfera das condições dignas para o exercício da profissão. Tenho dito que existem mil maneiras de melhorar o ensino da leitura, desde que as condições infraestruturais e salariais sejam satisfeitas, atendidas no âmbito do magistério brasileiro. Os governos reiteradamente acionam paliativos de curta duração ao invés de implementar soluções concretas no âmbito da vida e do trabalho dos professores.

Que outras atividades podem auxiliar os professores a ler mais e trabalhar melhor a leitura em sala de aula?
Ainda que venha aumentando o número de professores com acesso à Internet, acredito que a expansão deva ocorrer de maneira mais acelerada e abrangente. A Web 2.0 abriu perspectivas para que qualquer pessoa produza e divulgue seus textos pela Internet - dessa forma, ao ser introduzido neste universo, o professor terá a chance de uma convivência mais frequente e positiva com a leitura e com a escrita. Em verdade, não posso conceber a existência de um professor, hoje em dia, sem que esteja conectado à Internet e saiba manejar adequadamente as gramáticas digitais. Isto porque as suas atividades de busca, de troca de ideias, de atualização, de comunicação mais intensa com seus alunos, etc. poderão ser tremendamente facilitadas pelos caminhos abertos pelas conquistas trazidas pela Internet. Nestes termos, tenho defendido não apenas a melhoria das condições salariais do magistério e da infraestrutura para a leitura nas escolas, mas também o salto qualitativo do ensino para um outro patamar - salto esse que será feito através do manejo seletivo, crítico, consequente daquilo que a Internet hoje nos disponibiliza, sem que isto signifique dizer que a convivência com os "livros" tenha de ser minimizada ou enfraquecida ao longo da formação escolar dos estudantes.

Como as tecnologias podem auxilia-los nesse sentido?
Defendo a ideia de que vivemos, no nosso cotidiano, o fenômeno da co-ocorrência e concorrência de veículos e linguagens de comunicação. A convergência das mídias, gerada no bojo das velozes invenções tecnológicas, impõe que os professores estejam muito em dia com as tecnologias de modo que o conhecimento e o manejo das mesmas lhes permitam não só o aprimoramento cultural, mas também a melhoria dos seus planos de ensino, das didáticas utilizadas, dos mecanismos de motivação dos alunos, de abordagens metodológicas mais sedutoras e envolventes, etc.

Em seus livros, a leitura é o foco. Porque decidiu escrever sobre esse assunto?
Principalmente porque existe um problema muito sério de leitura neste país - um problema que vem de há muito e que hoje se apresenta como uma chaga vergonhosa no seio da sociedade brasileira. Dentro das fronteiras dessa imensa chaga se colocam os milhões de analfabetos (reais e funcionais), de iletrados, de cidades e escolas sem bibliotecas, de trabalhadores sem condições para comprar e ler livros, os lobbies para forçar a compra de livros didáticos pelo Estado e assim por diante. Minhas lutas pela democratização da leitura se iniciaram ainda dentro do ciclo das ditaduras (1972 pra frente) e assumi uma missão, como cidadão e profissional, de fazer alguma coisa para mudar esse drástico panorama. Por vezes, quis desistir das minhas batalhas, mas um dever ético e cívico sempre me põe na trincheira novamente, fazendo-me retornar para o centro dessa guerra. Nunca fui e nem quero ser um salvador da pátria, mas acredito que acumulei uma boa experiência através de leituras, vivências, estudos e pesquisas e, por isso mesmo, creio que posso ajudar nos processos de tomadas de decisão e na construção de ações mais acertadas para o desenvolvimento da leitura no Brasil. Ocorre que, muitas vezes, os ouvidos dos que estão no poder são duros e calejados e parecem sentir um prazer masoquista de reproduzir políticas inócuas e que nunca dão certo.

Há um déficit hoje no mercado de material que auxilie os professores a trabalhar a leitura na sala de aula? Só livros de literatura são suficientes?
A ciência da leitura evoluiu muito no Brasil a partir da década de 1980. Não concordo que exista deficit de livros que reflitam sobre as práticas da leitura e proponham caminhos para o seu encaminhamento na escola e nas salas de aula. Não querendo menosprezar a imensa contribuição dos livros de literatura para a formação de leitores ávidos, críticos e maduros, acredito que os livros teóricos sejam extremamente importantes para polir e arredondar as competências pedagógicas dos professores no que se refere ao ensino da leitura e ao ensino em geral. Em verdade, todos os professores deveriam conviver com uma diversidade de configurações textuais e com variedade de gêneros literários por força do seu ofício - isto porque todos os professores exigem leituras dos seus alunos, independentemente das disciplinas que ensinam na escola.

ALGUNS QUADROS SOBRE A FORMAÇÃO DE LEITURA DOS PROFESSORES -
                                   Fonte: Portal Leitura Crítica








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