ENTREVISTA: LEITOR TRADICIONAL E NATIVOS DA INTERNET

  Entrevista de Ezequiel Theodoro da Silva para o Jornal Correio Popular (Campinas, SP)                                       

                                     

Quais são as diferenças no desenvolvimento da habilidade de leitura em internautas nativos (que nasceram com a internet já operante) e leitores tradicionais de textos impressos em papel?
Sendo diferentes os suportes (papel e monitor de computador), as lógicas e os gestos do processo de leitura também se diferenciam. À linearidade da linguagem escrita impressa se opõe a iconicidade ou inclusividade da tela do computador. Portanto, as competências que devem ser desenvolvidas devem levar em conta o tipo de suporte bem como a lógica do meio em questão. O nativo da Internet deverá aprender a ler linearmente e o leitor tradicional deverá aprender a ler inclusivamente, caso queiram entender os sentidos em circulação nos dois meios. Em termos de ensino dessas competências, a tarefa não é das mais fáceis, dado que esses dois tipos de leitores se acostumam com  um só suporte e muitas vezes, a migração de um para outro é uma tarefa árdua, se não dolorosa, podendo haver recusa ou esquiva no momento de aprender. Tarefa árdua, mas nunca impossível, diga-se.

Quais as dificuldades mais comuns que leitores tradicionais apresentam na transição do meio tradicional para essa nova linguagem? As dificuldades mais comuns relatadas em estudos e pesquisas dizem respeito ao aumento ou alargamento da amplitude da atenção - e, por vezes, concentração - no intuito de perceber as solicitações dos links presentes nas páginas virtuais. Além disso, as operações da máquina-computador (manejo do mouse, rolagem da tela, tipos de navegação, etc.) podem também dificultar a interação com as mensagens na tela. Insisto ainda na questão linearidade versus instantaneidade, ou seja, quando lemos um texto impresso as linhas aparecem em sequência, uma depois da outra, exigindo movimentos oculares sacádicos da esquerda para a direita, de cima para baixo. Na tela do computador, as mensagens são inclusivas, multifuncionais, hiperlincadas, misturando dinamicamente textos e imagens (fixas e/ou em movimento) o que exige uma outra abordagem de recepção por parte do leitor, além, é claro, de um poder de seletividade dos rumos a seguir no momento da interação.

 
No longo prazo, alterações na aquisição da linguagem em meios digitais vai refletir profundamente na escrita ou ainda teremos por muito tempo o texto segundo normas cultas?
Não tenho dúvida quanto a isto; em verdade, o internetês já é uma realidade, transformando bastante a ortografia, a sintaxe e o léxico da língua. A este respeito, recomendo uma leitura do meu livro A Leitura nos Oceanos da Internet (São Paulo, Editora Cortez), onde existem algumas investigações mostrando, por exemplo, a escrita das mensagens de e-mails, o uso de emoticons, etc. Entretanto, cabe-me dizer que, no meu ponto de vista, a norma culta jamais desaparecerá mesmo porque a língua necessita de uma paradigma mais abrangente para que ela não se pulverize em dialetos, gírias e coisas do tipo. Além disso, a norma linguística é referência para você chegar ao legado cultural que é próprio do mundo da escrita, principalmente a literatura (esta, por sinal, tem no livro o seu principal veículo).

Quais medidas futuras devem ser tomadas para que essa geração de internautas nativos possa também desenvolver uma leitura tradicional, em meios impressos, sem apresentar dificuldade?
Creio que o planejamento da educação e a organização dos currículos escolares, com uma boa dose de preparação dos professores para enfrentar esse desafio. Caso se radicalize em qualquer dos dois polos, poderemos cultivar uma educação obsoleta, fora do seu tempo, atendendo a um segmento da população e deixando o outro fora da escola ou dos centros de formação. No meu ponto de vista, um professor bem formado, bem antenado, com conhecimento das variações do código, poderá levar adiante essa difícil tarefa. Repito: difícil, mas não impossível, pois o ser humano tudo pode aprender tudo, desde que ensinado de maneira séria, rigorosa, competente.

O que o senhor entende como positivo e negativo na formação acadêmica de internautas nativos?
Ainda não temos muitos estudos que tratem dessa questão junto a estudantes brasileiros. Estamos ainda em meio a um processo de mudanças, com velozes transformações no âmbito da tecnociência. Portanto, não me sinto em condições de discorrer sobre o meu entendimento a respeito de positivos e negativos neste momento histórico. Acho que temos de caminhar um pouco mais a fim de sentir melhor o panorama social brasileiro nessa esfera - hoje em dia, no mesmo chão brasileiro, existe professor que faz ditado da matéria e escreve com giz na lousa; por outro lado, tem professor que faz uso de lousas interativas digitais em ambientes totalmente digitalizados. Ainda não sabemos no que isto vai dar, mas fica a esperança de que as conquistas da tecnologia para uso em educação escolarizada sejam democraticamente levadas a todos os estudantes, indistintamente.

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