ENTREVISTA: HÁBITOS DE LEITURA

Entrevista de Ezequiel Theodoro da Silva para a Revista Metrópole, Campinas, SP


Muito se fala da necessidade de as crianças lerem e da importância de desenvolver nelas esse hábito. Mas, o que pais e professores podem fazer para incentivar os pequenos a lerem? Basta colocar livros à disposição ou é preciso intervir, ler junto, pedir para eles contarem histórias...?

Ambos os procedimentos são importantes. O ambiente de leitura deve ser rico, dispondo vários tipos de suportes de escrita (revistas, jornais, livros, internet) de modo que os textos não sejam elementos estranhos na vida das crianças. Mas a estimulação ambiental somente ganha o seu sentido maior quando acompanhada de exemplos e modelos de leitores ou, como se diz atualmente, de "mediadores" que dinamizem e valorizem as interações com os escritos. Ler para..., ler com..., ler junto...., ler e discutir..., etc são ações familiares e docentes que podem em muito facilitar a caminhada dos leitores em direção a sua independência e autonomia que, uma vez atingidas, fazem o leitor caminhar por si mesmo, sem a necessidade de incentivos externos. Quando atinge o patamar da autonomia, as práticas de leitura são auto-motivadoras, valendo por si mesmo e permitindo ao leitor gerar várias satisfações para si conforme o tipo de curiosidade que movimenta a sua busca por textos.

Com qual idade deve-se colocar a criança em contato com os livros?

O mais cedo possível de modo que ela vá tomando consciência da existência e das finalidades da escrita. Antes mesmo de uma criança ser formalmente alfabetizada pela escola, a família poderá expor a criança a livros "falados", histórias imagéticas, histórias em quadrinhos, etc; poderá levar a crianças a livrarias, bancas de jornais, bibliotecas, etc. E o procedimento de ler em voz alta para a criança é fundamental, não podendo faltar nesse cardápio a sequência de um bom livro de literatura (um pouco por dia) ou aqueles repletos de brincadeiras com as palavras (trava línguas, rimas, canções, enigmas, anagramas, etc

Que tipos de livros elas devem ler?

Sabemos que a criança começa a conhecer o mundo através de projeções de sua imaginação e fantasia. Assim sendo, devemos enfatizar a necessidade de livros de literatura infantil de modo que a criança possa ativar a sua fantasia no transcorrer das histórias que ouve ou lê. Gostaria de enfatizar a necessidade da brincadeira e da ludicidade, em tempos máximos, ao longo da infância de modo que as projeções e empatias, decorrentes das leituras dos textos literários, sejam concreta e amplamente vivenciadas. Lógico que outros gêneros de escrita, em seus suportes específicos (jornal, revista, CD, DVD, etc.) também podem fazer parte desse processo de leiturização, tendo o mediador o cuidado de enfatizar os seus manejos e usos de acordo com diferentes motivações para a leitura. Cabe ainda lembrar que muitos autores falam de estágios de desenvolvimento de leitura e o momento correto de alimentá-los, como a fase dos contos de fada, das novelas românticas, da ficção científica, etc, mas tenho um certo tomar essas recomendações ao pé da letra - uma família ou um professor sensível saberá ouvir com o coração as curiosidades infantis, alimentando-as de maneira prazerosa e inteligente.

Que cuidados os pais e professores devem tomar na hora de escolher que títulos disponibilizar às crianças? Como verificar se aquela história é adequada?

A minha experiência de professor e pai é que a criança, enquanto um ser social, veicula os seus interesses e as suas necessidades a cada etapa do seu desenvolvimento. Nestes termos, cabe ouvir, ou melhor, "escutar" a criança para atender às projeções de sua curiosidade. Como a criança é sempre susceptível às influências do mercado e o mercado nem sempre pensa a criança como um ser em formação, mas sim um ávido consumidor de bens de consumo, os pais e os professores poderiam se precaver no sentido de não cair em campanhas de venda e de formação de gosto para o consumo. Daí a necessidade de uma consciência social, ética e cidadã para saber escolher títulos que não promovam o consumo barato, mas levem a criança a se perceber melhor no mundo através da leitura e dos livros. Um conselho: não adultizar a criança e nem tentar encurtar a sua infância através de exigências de comportamentos, atitudes e posicionamentos que a criança ainda não pode emitir. Deixe a criança ser criança e disponha objetos (livros, por exemplo) que a ajudem a ter uma história densa e sadia de vida.

Além de livros de histórias, o que mais crianças podem ser incentivadas a ler?

Acho que já respondi anteriormente, mas faço um complemento: as crianças podem ser conduzidas a ambientes de fruição da arte, como teatro, cinema, galerias, museus, shows, etc A vida moderna expressa um mosaico complexo de múltiplas linguagens que circulam por diferentes meios ou suportes. Nestes termos, adentrar os espaços artísticos é possibilitar às crianças não só a ativação de sua fantasia, mas também fazê-la ver de que a vida não é somente isso que se vê (perdão a Paulinho da Viola...), mas que existe muitas outras maneiras para ser e existir. A arte não apenas representa a vida, mas mostra como a vida poderia ser de outra maneira.

Que benefícios o hábito da leitura traz? Quanto mais precoce, melhor?

No meu ponto de vista, a leitura qualifica as decisões e as ações do homem. Quanto mais cedo melhor, mas sem que isto signifique que uma vez passada a fase da infância, o ser humano não venha a se encantar com a leitura e se transformar num ávido leitor. Outra coisa: não considero que a leitura seja tudo na vida de uma pessoa; pelo contrário, a leitura é uma prática cultural que serve como meio para determinadas finalidades sociais e que é sempre exercida a partir de determinados desafios ao longo da nossa existência. É importante ler? Sim, é muito importante, mas é também é importante conhecer novas pessoas, conversar, brincar, passear, viajar, comer bem, ver televisão e por aí vai...


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