ARTIGO: LEITURA E PODER

 Ezequiel Theodoro da Silva (março-2011)


                                    

Cabe indagar a respeito dos motivos pelos quais somos - ainda !! - um país com um grande contingente de analfabetos, analfabetos funcionais e iletrados. Cabe indagar sobre a reprodução, no tempo, de um cenário tão pobre para a leitura em todas as regiões brasileiras, sendo as mais drásticas a norte e a nordeste. Tais indagações são fundamentais àqueles que desejam, através de trabalhos em diferentes contextos (escolar, comunitário, associativo, sindical, etc.), lutar pela melhoria das práticas de leitura da palavra escrita no Brasil.

Ocorre que a leitura permite ao indivíduo acessar, compreender e transformar os bens (objetos, produtos e serviços) que são próprios do mundo da escrita. Quer dizer a leitura "estende" o nível de participação social dos sujeitos, somando possibilidades de mais informações, conteúdos, ideias ao seu repertório de experiências culturais. Se anteriormente, quando esse indivíduo levava consigo a condição de analfabeto, ele alcançava, principalmente pelo ouvido, o mundo da oralidade e as suas extensões (telefone, rádio, cinema falado, etc), agora, com a alfabetização e letramento, ele passa a "enxergar mais longe", situando-se no mundo da escrita, com as extensões que lhe são próprias (livro, jornal, revista, internet, etc).

Não é à toa que a aprendizagem e o domínio da leitura estão encarnados no quadro dos direitos da cidadania. O direito à leitura pressupõe, além do ensino gratuito via escola, a inclusão dinâmica no universo da cultura letrada, pois que as sociedades contemporâneas se caracterizam pela circulação democrática das informações, pelo avanço da ciência e tecnologia, pela produção da literatura - todos esses campos têm na palavra escrita (manuscrita, impressa e/ou virtual) o seu veículo primeiro de comunicação. Nestes termos, a leitura é um instrumento básico, insubstituível para que o sujeito possa exercer os seus direitos de cidadania e, ao mesmo tempo cumprir com os seus deveres.

Ao mesmo tempo em que a leitura potencializa a comunicação humana pela entrada no mundo da escrita, ela também potencializa o poder da consciência dos indivíduos. Quer dizer: na medida em que um sujeito ganha autonomia, independência como leitor, ele pode interpretar textos de maneira inusitada, rompendo com os sentidos protocolares, já instituídos e em circulação numa sociedade. Ou seja: ele pode ler os textos "de outra forma", transgredindo, transformando e criando outras ideias a partir das suas leituras.

Um terceiro tipo de poder gerado pelo domínio da leitura, além do comunicacional, cognitivo e político, diz respeito ao fato de que a leitura, uma vez incorporada e praticada, leva o sujeito a querer mais e, querendo mais e lendo, o seu repertório vai crescendo indefinidamente em múltiplas direções. Quer dizer: o "arredondamento" da leitura é uma obra sempre aberta, levando o leitor a buscas ilimitadas pela vida, robustecendo-se enquanto ser humano e cidadão.

Todos esses poderes da leitura servem exatamente para quê? Há muitas respostas para esta pergunta, mas, no meu ponto de vista, as práticas de leitura QUALIFICAM as decisões, ações e reações dos indivíduos. Nestes termos, o leitor maduro e crítico não se curva a manipulações, ideologias, autoritarismos do discurso e outros tipos de dominação; pelo contrário, por estar situado no mundo e, por isso mesmo, por conviver com uma multiplicidade de textos, ele questiona, reage, aprecia, analisa e toma decisões "com conhecimento de causa".

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