ARTIGO: DOIS TIPOS BÁSICOS DE LEITURA PELO PROFESSOR

 Ezequiel Theodoro da Silva


Formas de ler existem muitas e múltiplas ou plurais em função dos multifacetados desafios que o mundo e os textos (também diversos) nos apresentam ao longo da existência. Paulo Freire lia e interpretava as cores que as mangas iam ganhando nos galhos até que ficassem completamente maduras; e quando amarelo avermelhadas, elas se davam ao paladar cheio de sabor daquele grande educador, vivendo então os seus dias de infância em Recife (PE). Antes mesmo de conhecer o mistério das palavras, quando criança durante a sua infância, a escritora e dramaturga Lygia Bojunga Nunes tomava os livros como tijolos e com eles ela fabricava casas: "Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede, deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado. E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro." Nestes dois casos - que são casos iguais a quase aos de todos nós em nossas fases evolutivas de vida -, a leitura da palavra escrita segue-se à leitura dos objetos da realidade e, posteriormente, quando já alfabetizados e letrados, continuaremos a movimentar essa gangorra, unindo os textos escritos (manuscritos, impressos e/ou virtuais) à realidade e vice-versa.

O professor, mediador privilegiado da leitura, tem por responsabilidade produzir leitores para a leitura dos textos e, através desses textos, para compreender os fenômenos do mundo e assim se compreenderem melhor como seres situados numa realidade. O professor, espelho/modelo para seus alunos, projeta, via exemplos e orientações, práticas de leitura no sentido de que elas possam servir de acesso às diferentes configurações de textos que circulam em sociedade. O professor, leitor proficiente, organiza situações de aprendizagem da leitura para que as competências, pela vivência concreta de diálogo com os textos, possam ser internalizadas e manejadas pelos estudantes. O professor, agente da educação dos leitores, é uma potente fonte de informações a respeito dos livros e textos (impressos e/ou virtuais) ou outros objetos do mundo cultura - objetos e textos que valham a pena ler neste mundo tão repleto de lixo e outras bobagens.

Das muitas competências de leitura do professor, vou explicitar duas que não são muito comentadas nos circuitos acadêmicos, mas que considero fundamentais para a construção de um contexto significativo aos programas de leitura. Acho até que eu não estaria errado em afirmar que, quando essas duas competências não forem bem compreendidas e aplicadas, todo o ensino da leitura numa sala de aula poderá ruir de vez, provocando fugas e esquivas dos textos por parte dos estudantes. Vamos a elas.

LEITURA DO AMBIENTE - SALA DE AULA E ESCOLA

Quem nunca presenciou uma situação onde o ambiente da comunicação, por diferentes motivos, ficou tenso, pesado e conflitivo? Nesse tipo de situação - ou numa outra qualquer, talvez alegre e descontraída - a nossa capacidade de leitura capta os sinais e indícios do momento, gerando em nós mesmos descontração ou retraimento para entrarmos em comunicação com os demais participantes. Quer dizer: temos uma capacidade "ler" e "sentir" os ambientes onde as pessoas  inteagem e atribuir sentido(s) aos mesmos.

A sala de aula ou, mas amplamente, a escola são ambientes privilegiados de comunicação (diálogo oral, leitura do mundopalavra, produção de textos) e, por isso mesmo, o professor deverá ler e analisar com a devida "antenagem" e sensibilidade a atmosfera que rege as relações e interações entre os indivíduos ali presentes (direção, professores, estudantes, funcionários, interfaces com a comunidade, etc). Para este tipo específico de leitura, o professor poderá tomar por base o que é preponderante nesses ambientes, ou seja:

Atmosfera de Risco: Neste ambiente, os interlocutores sentem medo, apreensão, frustração e geralmente fingem, mentem, se esquivam ou se fecham no momento das interações. Uma atmosfera regida pelo medo geralmente se origina do autoritarismo, do mandonismo, do abuso, do controle, da perseguição, etc - e o professor que encarnar/projetar tais fenômenos certamente será lido pelos seus alunos como um elemento de risco, gerador de medo e temor. Neste tipo de atmosfera, ocorrerá um "fechamento" dos alunos, permanecendo dentro deles - com eles, sem abertura ou revelação - os seus interesses, sonhos, problemas, valores, dificuldades e potenciais, o que empobrecerá sobremaneira as decisões de planejamento do ensino por parte desse professor.

Atmosfera de Confiança: Neste ambiente prepondera a autenticidade, segurança, afetividade e crédito entre os interlocutores. Ou seja: eles se "abrem" à comunicação, sem receios ou temores. O clima de confiança é próprio dos ambientes democráticos, onde as diferenças são respeitadas e autoridade reconhecida. Sem dúvida, nas salas de aula e na escola deve imperar a atmosfera de confiança, pois dessa forma a (re)produção do conhecimento ocorrerá a partir das verdadeiras características dos estudantes e de todos aqueles que fazem parte do contexto escolar. Confiantes nos seus professores e nos seus pares, os estudantes vão se dar a conhecer e esse conhecimento, lido e compreendido pelos professores, vai produzir planos de ensino mais consequentes, mas significativos mesmo porque levam em consideração as características existenciais das turmas de alunos.

LEITURA DOS ALUNOS PELO PROFESSOR

Não tenho dúvida de que a experiência de um professor com uma determinada série escolar lhe permite uma leitura e um conhecimento das características (interesses, aspirações, dificuldades, problemas, valores) dos seus alunos, principalmente se eles forem oriundos de uma mesma comunidade. Daí eu defender um corpo docente estável e "durável" numa escola, evitando-se a rotatividade e/ou a remoção de professores.

A leitura contínua dos estudantes é de máxima importância, pois, como queria Celestin FreinetJerome Bruner e outros estudiosos do comportamento humano, um bom plano de ensino não é elaborado apenas com os parâmetros da escola, mas deve sempre incorporar as características dos estudantes. Em termos de ensino de leitura, un conhecimento objetivo dos alunos pelo professor é uma condição sine qua non para o delineamento e a concretização das atividades de leitura. Como organizar uma biblioteca ou acervo para leitura, sem ter ideia sobre os interesses, gostos, desejos dos alunos? Como planejar uma unidade de leitura intensiva, sem saber quais as necessidades de dificuldades dos alunos? Como solicitar leituras para casa (extracurricular) sem conhecer as condições de vida das crianças?

Um conhecimento de psicologia e de relações interpessoais pode muito bem ajudar o professor na leitura a fazer dos seus alunos. Nestes termos, teoria da JANELA JOHARI, criada por Joseph Luft e Harrington Ingham em 1955, pode ser uma interessante ferramenta para levar adiante a produção de um perfil para a classe e o conhecimento recíproco entre alunos e professor ou entre alunos e alunos. O conceito tem um modelo de representação, que permite, revelar o grau de lucidez nas relações interpessoais, relativamente a um dado ego, classificando os elementos que as dominam, num gráfico de duas entradas - uma janela, dinamizando a busca de feedback e a auto exposição -subdividido em quatro áreas:

- Área livre ou eu aberto: região que integra conhecimento do eu (ego) e também dos outros;

- Área cega ou eu cego: região de conhecimento apenas detido pelos outros e portanto desconhecido do eu;

- Área secreta ou eu escondido (secreto): região de conhecimento pertencente ao eu e não partilhada com os outros;

- Área inconsciente ou eu desconhecido: região que detêm os elementos de uma relação em que nem o eu, nem os outros têm consciência ou conhecimento.

IMPORTANTE - Lembrar que esta é "uma" teoria e não "a" teoria para a leitura dos interlocutores estudantes pelo professor; outras teorias e abordagens psicológicas são importantes de serem estudadas e conhecidas de modo que a sua capacidade perceptiva e o seu conhecimento de um grupo lhe permitam compreender sempre mais a complexidade dos seres humanos. O importante é que o professor saiba que o cruzamento de informações sociológicas, antropológicas e psicológicas sobre os estudantes de uma tarde é um trabalho fundamental a tomada de decisões a respeito dos rumos ou horizontes do seu ensino - ele não trabalha com seres humanos tabula rasa (sem nada dentro de si) ou seres sem rosto! 

Ao professor cabe lembrar que as características dos alunos, principalmente as de ordem psicológica, se colocam na ÁREA SECRETA OU DO "EU ESCONDIDO". Ali residem os interesses, as aptidões, os valores, as dificuldades, as competências já adquiridas e que SOMENTE NUMA ATMOSFERA DE CONFIANÇA essas características serão "abertas", reveladas ou tornadas públicas ao professor e aos demais colegas da classe. Instrumentos como questionários de interesses, depoimentos tipo "quem sou eu", entrevistas orais, etc. podem ajudar o professor na construção de uma fisionomia para o grupo de estudantes - fisionomia essa que poderá ser cada vez mais enriquecida na trajetória das aulas e das experiências do professor com esse grupo.

Cabe também lembrar que o "eu cego" dos alunos é alimentado através do feedback (avaliações, conselhos, orientações, críticas, elogios, etc.) feito professor. E escutar produtivamente um feedback também depende da ATMOSFERA DE CONFIANÇA que rege as relações de ensino-aprendizagem, caso contrário o aluno tomará as orientações do professor como fatores de risco, adotando comportamentos de agressividade, esquiva, fuga, mentira, etc.

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