SÍNTESE: QUEM TEM MEDO DO CIBERSPAÇO

 Alberto Fernando Gil Dias



Diante das transformações geradas pela revolução digital, uma das práticas mais universais e, ao mesmo tempo, subjetivas da humanidade também vem sendo transformada: a leitura. Espelho sociocultural de cada época, através dos diversos formatos pelos quais passou, o livro (enquanto objeto) condensa diferentes práticas de leitura, todas elas moldadas de acordo com o seu tempo: desde o papiro, passando pelo códice, chegando ao livro impresso e, finalmente, o livro digital. Em cada um destes momentos, há uma história da leitura acontecendo em paralelo à história das civilizações, absorvendo seu zeitgeist.

            Impossível não olhar para o nosso momento atual, com a tecnologia em incessante ebulição, e não lembrar de quando tudo isso não parecia mais uma fantasia do gênio de Stanley Kubrick, ou um episódio divertido dos Jetsons. No entanto, a realidade virtual, atrelada à ideia de globalização, veio rápido e trouxe consigo novos hábitos e objetos, de modo que hoje é quase impossível viver sem um aparelho celular. Diante disso, cabe a pergunta: como a educação dialoga com essa transformação?

            Talvez uma das razões que expliquem a falta de familiaridade do brasileiro com o livro seja justamente uma “leitura” equivocada que as escolas fazem de quem é o aluno-leitor: espera-se que eles leiam pacientemente um livro de Machado de Assis, de 200 páginas, sentados corretamente, quando, na verdade, seu hábito de leitura é outro. Sim, ele tem um hábito de leitura. Aliás, talvez nossa época seja peculiar neste sentido: todos, o tempo todo, estão em contato com a leitura. Não a leitura no papel, mas a leitura intersemiótica, através da qual as mensagens circulam sob diversas formas, seja por palavras, sons ou imagens.

            É inegável o universo de possibilidades que são oferecidas ao ensino através das ferramentas digitais; no entanto, elas parecem sofrer, muitas vezes, do mesmo processo de contenção descrito pelo historiador da cultura Roger Chartier, em seu livro A aventura do livro: do leitor ao navegador (1998), quando descreve a falta de acesso aos livros imposto às camadas populares, e, posteriormente,  a indiferença aos novos formatos, mais acessíveis, taxados de “leituras selvagens” por quem os olhava da perspectiva da tradição inflexível. Ora, é ainda o que se vê com relação ao uso do celular, por exemplo, como recurso pedagógico.

            Caso a escola queira superar a tão falada “crise da leitura”, é necessário que se conheça quem é o leitor a quem ela se dirige, seus hábitos e modos de leitura, bem como de escrita, e, a partir de então, utilizar das novas ferramentas oferecidas no âmbito do ciberespaço e que se apresentam como um atrativo, possibilitando um ensino muito mais abrangente e instigante no que se refere à autonomia do aluno. No mais, verdade seja dita: navegar nunca foi tão preciso...

 REFERÊNCIAS

CHARTIER, Roger. A aventura do livro – do leitor ao navegador. São Paulo: EDUNESP, 1998.

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço. O perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

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Comentários

  1. Adorei sua escrita Alberto, leve e clara. Muito boa a utilização que você fez das referências também. Parabéns! Como sugestão, eu colocaria um link na palavra "zeitgeist", que tem um significado bonito e valeria a pena explorar.

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  2. Muito bom Alberto! Super relevante a reflexão sobre a incoerência entre o que a escola solicita aos estudantes e os hábitos e experiências leitoras trazidas pelos mesmos.

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  3. A leitura equivocada que as escolas fazem sobre quem é o aluno-leitor é algo muito visível atualmente. O mundo, a leitura e seus suportes evoluíram. Mas, os professores conseguiram acompanhar tal evolução? Por que tanta resistência quanto ao uso da tecnologia e suas múltiplas facetas? De forma leve e fluida, você trouxe questões fundamentais para serem refletidas e discutidas. Parabéns!

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