SÍNTESE: LEITORES IMERSIVOS PARA LEITURAS CONTEMPORÂNEAS

 Paula Crepaldi Campião


Fonte: Imagem de autoria desconhecida.  Disponível em: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/pages/view/ceale-debate-ler-e-mais-que-ler-a-leitura-em-tempos-digitais.html>.


A imagem do leitor contemporâneo em muito se distancia daquela evocada pelo nosso imaginário social, baseada nas pinturas dos séculos XVIII e XIX: leitores jovens, solitários, de alta classe social, imersos no silêncio, isolados com seus pensamentos enquanto se debruçam sobre as páginas dos romances. As revoluções tecnológicas, a internet e a globalização permitiram que as fronteiras impostas pelo livro enquanto objeto físico fossem ultrapassadas, permitindo que o leitor contemplativo se movesse aos poucos rumo à imersão.

Cercado por telas, o leitor imersivo navega por mares infinitos de texto. Um link leva a outro. Um novo texto, um novo vídeo, um novo site…O acesso a todo (ou quase todo) o conhecimento do mundo, desejo que levou o Dr. Fausto a fazer uma aposta com o próprio demônio na obra de Goethe (1829), pode hoje ser alcançado em poucos segundos, sem a necessidade de acordos sobrenaturais.

Se a leitura já era cumulativa no papel, no ciberespaço a possibilidade de se expandir o repertório do leitor aumenta em uma velocidade e capacidade astronômicas. Ao navegar, o leitor é capaz de propor pontes e conexões entre autores, textos e mídias, assim como fazer inferências e comparações, o que lhe permite produzir sentidos únicos para um fragmento lido. 

Entretanto, o conhecimento ilimitado como fonte de felicidade e plenitude, conforme outrora foi almejado pelos filósofos iluministas, ajudou a construir uma verdadeira Biblioteca de Babel, assim como no conto de Borges (1941), em que o acesso ao conhecimento universal, não significa sua plena decifração. Inclusive, a rapidez, fluidez e volatilidade das informações dispostas nas redes atribuem uma maior complexidade à leitura, a divulgação científica e ao próprio conhecimento: seria a Terra mesmo redonda? Vacina causa autismo? O presidente nunca falou em gripezinha?

Entre efeitos Mandela, dissonâncias e convenções, ser um leitor imersivo exige  mais do que a fruição pela fantasia, mas também a habilidade de pesquisar, comparar e checar informações, mesmo em um cenário de leitura ficcional, sendo necessário desconfiar das frases motivacionais atribuídas à Clarice Lispector, aprender a separar autor e obra, e até mesmo refletir de forma crítica sobre autoria e plágio.

A liberdade de percursos possibilitada pela infinidade de corredores da internet torna necessário aprender a como refletir sobre a própria hipersubjetividade, isto é, como adentrar para dentro de si e ao mesmo tempo para dentro da rede, além de promover a afinidade com os instrumentos utilizados para que essa leitura seja realizada.

À escola, instituição interposta entre a criança e o mundo, cabe colaborar para que os alunos aprendam a escrever suas próprias cartas de navegação, promovendo tanto o contato de seus alunos com os mais diversos suportes quanto letrar para a compreensão crítica sobre aquilo encontrado nos mares do ciberespaço.

Nesse processo de ensino e aprendizagem há uma vantagem (ou seria desafio) já posta: os alunos já nasceram e estão crescendo imersos no ciberespaço. Havendo afinidade com a tela – mesmo que somente teórica, uma vez que o acesso à tecnologia também caminha junto ao custo da mesma - o próximo passo é ajudar a lapidar os movimentos que nascem orgânicos, entre eles, onde clicar, como clicar e o porquê de clicar. A tecnologia torna-se uma aliada poderosa ao fazer pedagógico, percorrendo múltiplos caminhos em uma infinidade de possibilidades e recursos, como por exemplo unindo a escrita tradicional àquela realizada por meio do Whatsapp, facilitando a acessibilidade aos conteúdos por alunos com deficiência e até mesmo intercambiar experiências separadas por um oceano

Por fim, parodiando o poeta Fernando Pessoa, se navegar é preciso, o que é necessário é criar. Criar possibilidades para uma leitura crítica do mundo digital, para a navegação em águas agitadas, que exigem habilidades de pesquisador do leitor, e finalmente para a fruição das infinitas multiplicidades das redes.



Referências:

BORGES, Jorge Luis. Ficções. Trad. Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro - do leitor ao navegador. São Paulo: Editora da UNESP, 1998.

GOETHE, Johan Wolfgang von. Fausto I: uma tragédia. Trad. Jenny Klabin Segall. São Paulo: Editora 34, 2004.

PESSOA, Fernando. Navegar é preciso. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/jp000001.pdf>.  Acesso em: 29 nov. 2020.

SANTAELLA. Lucia. Navegar no ciberespaço. O perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

 Visite o site do Ezequiel para mais leituras


Comentários

  1. Paula, sua escrita é encantadora. Adorei também a intertextualidade com a literatura, e a inclusão do vídeo. Parabéns!

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  2. Belíssima reflexão, Paula!! E ótima escrita também!!

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  3. Oi, Paula! Que lindo seu texto, amei as intertextualidades contidas nele! Parabéns!

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