UNIDADE DE LEITURA. NARRATIVAS DE INFÂNCIA
Gabriela Barbosa
Souza
Tema: Deixa eu te
contar um pouco da minha infância?
Conteúdo: Tipologia Narrativa e seus
elementos estruturais.
Para quê da minha mediação:
Realizar trabalho pedagógico que favoreça o diálogo
com o universo sociocultural dos educandos através da leitura e produção de
textos narrativos. Favorecer o processo de ensino-aprendizagem da leitura e da
escrita através da produção textual de narrativas de lembrança. Diagnosticar o
domínio dos educandos no que se refere à internalização dos elementos
estruturais de uma narrativa.
Para quem da minha mediação:
Esta unidade de leitura foi planejada para uma turma
de 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola do campo, composta por, em média,
25 alunos. Para realização desta unidade de leitura, pensa-se em um turno de
aula, com duração máxima de 4 horas.
O quê da minha
mediação:
Esta
unidade de leitura traz como tema “narrativas da infância”, e parte da
concepção de que o processo de ensino e aprendizagem nas escolas do campo deve
considerar o alunado como sujeitos concretos marcados pelas suas experiências
de vida (CALDART, et al. 2012;) e, a partir daí, estabelecer diálogos entre os
conteúdos disciplinares e a realidade do público estudantil.
Partindo
desse pressuposto, propõe-se essa unidade de leitura. De acordo com Silva (2003, p.26) “(...)
a principal substância de uma unidade de leitura é o próprio texto”. Neste
sentido, o autor ressalta a importância do trabalho pedagógico com uma
variedade de gêneros por considerar que o alunado tem contato com variadas
formas escritas em seu cotidiano e, consequentemente, tem a necessidade de
desenvolver “(...) diferentes competências para a sua usufruição”.
Esta
proposta de trabalho pedagógico favorecerá a leitura, produção e socialização
de narrativas, considerando estas um tipo de estruturação de texto relevante
para favorecimento da expressão e autoria do educando. O texto escolhido para
nortear esta unidade de leitura é o conto “Voo de Jika”, uma das narrativas que
compõem a obra “Os da minha rua” do escritor angolano Ondjaki (2007). A
referida produção é constituída por um conjunto de narrativas de cunho
autobiográfico, mencionando diferentes experiências vividas durante a infância
do autor. Essas narrativas trazem a relação espaço/ tempo de diferentes
experiências, o que
leva o leitor a “viajar” através das vivências do escritor.
Como da minha mediação:
Movimentos
Pedagógicos
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Procedimentos
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Dinâmica
Inicial
(40
minutos)
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-
Apresentação para a turma da temática a ser refletida no encontro.
-
Leitura do livro “Nicolau tinha uma ideia” de Ruth Rocha, com o objetivo de
favorecer a construção de um espaço interativo durante o encontro, além da
apresentação dos educandos.
-
Levantamento das impressões iniciais do alunado sobre a temática do encontro.
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Constatação
(40 minutos)
|
Entrega da narrativa “O Voo do
Jika” de Ondjaki (2007).
- Cada aluno lerá a narrativa
individualmente de forma silenciosa.
- A partir da leitura, cada
discente deverá representar em forma de desenho o que a narrativa lhe
despertou.
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Intervalo
(20 minutos)
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_ Momento para lanche e
descanso do grupo.
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Cotejo
(40 minutos)
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- Leitura da narrativa em voz
alta pelo(a) professor(a).
- Socialização das impressões
ao ler a narrativa através dos desenhos construídos individualmente.
- Levantamento de palavras
desconhecidas no texto.
- Reflexão sobre o conto lido,
a partir dos seguintes questionamentos: Onde acontece a narrativa? Quais os
personagens do episódio? É possível ter noção de quando aconteceu essa
narrativa? A leitura desse conto lhe fez lembrar de outra história?
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Transformação
(100 minutos)
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- Neste momento, os alunos
serão orientados a produzirem narrativas individuais, a partir da seguinte
orientação: O texto lido e discutido trata de um episódio vivido pelo
personagem em sua infância. Escreva uma narrativa sobre um episódio
vivenciado por você que marcou sua infância.
- Socialização das narrativas
de forma coletiva. Os alunos apresentarão suas produções textuais oralmente
em sala de aula, na busca de favorecer a expressão oral dos educandos.
- (Auto)avaliação das
experiências vivenciadas no encontro.
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O que resultou da minha mediação:
As narrativas
produzidas pelos alunos serão avaliadas no que se refere à estrutura textual e
sua função enunciativa e servirão de base para o planejamento da próxima
unidade de leitura, visto que o professor observará
os domínios que os alunos já possuem em relação à estrutura textual da
tipologia narrativa e o que ainda precisa ser desenvolvido. A análise
considerará as especificidades da
narrativa e seus elementos constituintes (GANCHO, 2007; TRAVAGLIA, 2007), bem
como a sua função enunciativa em contexto de uso. Gancho (2007, p.6) afirma que a narrativa se
estrutura a partir de cinco elementos: enredo, tempo, lugar, personagens e
narrador. O enredo, por sua vez, se subdivide em: exposição, na qual são apresentados os fatos iniciais, os
personagens e, às vezes, o tempo e o espaço; complicação, na qual se desenvolve o conflito vivenciado pelo
personagem; clímax, na qual o
conflito chega a seu ponto máximo; e desfecho,
na qual ocorre a resolução do conflito e o fechamento da narrativa.
Neste
sentido, a produção textual será analisada no que se refere ao uso dos
elementos estruturais na composição de uma narrativa de lembrança, o que
norteará o(a) professor(a) no planejamento de outras intervenções pedagógicas
através de unidades de leitura.
Referências:
CALDART, R. S.,
PEREIRA, I. B., ALENTEJANO, P. & FRIGOTTO. Dicionário da Educação do
Campo. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio,
Expressão Popular, 2012.
GANCHO,
Cândida Vilares. Como analisar
narrativas. Série Princípios – 7º Edição, 2007.
ONDJAKY.
Os da minha rua. Língua Geral: Rio
de Janeiro, 2007.
ROCHA, RUTH. Nicolau tinha uma ideia. Ilustração : Mariana Massarani - 3ª
edição - São Paulo: Quinteto Editorial, 1998.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Unidade
de Leitura - Trilogia Pedagógica. Campinas, SP: Autores Associados, 2003
(Coleção Linguagens e Sociedade).
TRAVAGLIA,
Luiz Carlos. A caracterização de categorias de texto: tipos, gêneros e
espécies. Revista Alfa, São Paulo, v. 1, n. 51, p. 39-79, 2007.
Anexos:
Narrativa: Nicolau tinha uma ideia (Ruth Rocha, 1998)
Nicolau
tinha uma ideia.
Era uma vez
um lugar onde cada pessoa só tinha uma ideia na cabeça.
João tinha
uma ideia assim:
Maria tinha
uma ideia assim:
Pedro tinha
uma ideia desse jeito:
E Manuela
tinha uma ideia desse jeitinho:
Um dia,
apareceu um homem chamado Nicolau
A ideia de
Nicolau era assim:
Logo que
Nicolau chegou, foi procurar João
E contou sua
ideia a ele.
E João ficou
com duas ideias na cabeça.
João contou
a ideia dele para Nicolau
E Nicolau
ficou com duas ideias na cabeça.
Aí, Nicolau
foi contar sua ideia para Maria.
E Maria
ficou com duas ideias na cabeça.
E contou a
Nicolau a ideia dela.
Nicolau
ficou com três ideias na cabeça.
Nicolau
falou com Pedro, com Manuela e uma porção de gente mais.
Nicolau
ficou cheio de ideias. E as ideias de Nicolau começaram a se misturar umas com
as outras e a formar muitas outras ideias.
Então, as
pessoas começaram a achar que era muito divertido ter muitas ideias na cabeça.
Começaram a
procurar Nicolau para ele contar as ideias que ele agora tinha.
E todo mundo
foi ficando com uma porção de ideias na cabeça.
Aí, cada um
resolveu trazer os filhos para o Nicolau contar suas ideias.
Nicolau teve
que arranjar um lugar grande, onde ele pudesse contar às crianças as suas
ideias.
E naquele
lugar, agora, todo mundo tem uma porção de ideias. Como você, que também
conversa com os outros, ouve as ideias deles e aprende uma porção de ideias na
escola.
O voo do Jika (Ondjaki,
2007)
O Jika era o mais novo da minha
rua. Assim: o Tibas era o mais velho, depois havia o Bruno Ferraz, eu e o Jika.
Nós até às vezes lhe protegíamos doutros mais velhos que vinham fazer confusão
na nossa rua. O almoço na minha casa era perto do meio-dia. Às vezes quase à
1h. Ao 12h15min, o Jika tocava à campainha.
— O Ndalu tá? —
perguntava à minha irmã ou ao camarada António.
— Sim, tá.
— Chama só, faz
favor.
Eu interrompia o
que estivesse a fazer, descia.
— Mô Jika, comé?
— Ndalu, vinha
te perguntar uma coisa.
— Diz.
— Hoje num
queres me convidar pra almoçar na tua casa?
— Deixinda ir
perguntar à minha mãe.
Entrei. O Jika
ficou ansioso na porta, aguardando a resposta. Quase sempre a minha mãe dizia
sim. Só se fosse mesmo maka de pouca comida, ou muita gente que já estava combinada
para o almoço. Se a avó Chica viesse, ia trazer também a Helda, e assim já não
ia dar. Mas normalmente a minha mãe dizia mesmo “sim”. E ficava a rir.
— A minha mãe
disse que podes.
— Ah é? — ele
pareceu surpreendido.
— E a que horas
é que vocês vão almoçar?
— Ao 12h30min,
Jika.
— Então vou
pedir na minha mãe.
Deixei a porta
aberta. O Jika devia voltar sem demora quase nenhuma. Gritou contente, cá de
baixo, na direção da janela do quarto da mãe dele:
— Maaaaãe, a tia
Sita me convidou pra almoçar na casa dela. Posso?
— Podes. Mas vem
mudar essa camisa suada.
O Jika deu uma
esquindiva, fingiu que já tinha mudado, veio a correr numa transpiração respirada.
Contente.
Olhos do miúdo
que ele era. Fosse o melhor programa da semana dele. E eu, mesmo miúdo candengue,
fiquei a pensar nas razões do Jika não gostar nada de almoçar na própria casa
dele.
O Jika estava
habituado à muita gasosa. Nesse tempo, se houvesse gasosa na minha casa era
para dividir. Como éramos três, eu e duas irmãs, quando o Jika vinha almoçar,
até a divisão corria melhor. Ele por vezes queria fugir desse ritual:
— Tia Sita,
posso beber uma gasosa sozinho?
— Sozinho, bebes
na tua casa — a minha mãe respondeu. — Aqui divide-se.
Depois do almoço,
o Jika disse que ia à casa dele buscar “uma coisa”. Eu fiquei à espera, no
portão aberto.
Prometeu não de
morar. Voltou com a tal coisa escondida de baixo do braço, e entrámos
rapidamente na minha casa.
Subimos ao
primeiro andar, fomos até ao quarto da minha irmã Tchi, e saltámos da varanda
para uma espécie de telhado. Aproximámo-nos da berma. Lá em baixo estava a
relva verde do jardim. O Jika abriu um muito, muito pequenino guarda-chuva azul.
— Põe a mão aqui
— ensinou-me. — Agora podemos saltar.
— Tens a
certeza? — olhei para baixo.
— Vamos só.
Saltámos.
A infância é uma
coisa assim bonita: caímos juntos na relva, magoamo-nos um bocadinho, mas
sobretudo rimos.
O Jika teve outra
ideia.
— Calma só, mô
Ndalu. Vou na minha casa buscar um maior.
— Não, Jika,
desculpa lá. Vais saltar sozinho, eu já num vou saltar mais de guarda-chuva.
— Nem num bem
grande que tenho, daqueles da praia, anti-sol e tudo, colorido tipo arco-íris?
— Nem esse!
O Jika ficou
desanimado. Sem outras propostas para brincadeiras perigosas, decidiu ir para
casa. Ao cruzar o portão, falou ainda:
— Posso te perguntar
uma coisa?
— Diz, Jika.
— Amanhã num
queres me convidar pra almoçar na tua casa?
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