HIBRIDISMO: A MÁQUINA DE COSTURA DA PÓS-MODERNIDADE
Paula Crepaldi Campião
Será que podemos apontar algo essencialmente puro em nossa sociedade se é através das diferenças, antíteses e paradoxos que costuramos o nosso pensamento?
Tradicional e moderno, crenças e ceticismos, apostas e certezas. A combinação entre diferentes práticas e objetos que dá vida a novas estruturas (CANCLINI, p. XIX, 1997) é parte indissociável da construção simbólica do que chamamos de “identidade”. O ser humano transita pelos jogos de oposição e tensões da diferença formando a si mesmo e aos outros, através de relações dialógicas, que acontecem em ambientes mais ou menos institucionalizados, de modo que a interação entre sujeitos impulsione processos socioculturais que resultem em rupturas ou ritos. (CANCLINI, p.45, 1997).
Pensando na grande especificidade dessa segunda década do século XXI, em que o mundo todo e todo mundo está a um click de distância, se espera que essa interação social receba uma resposta concreta imediata. Nesse contexto, a reação sobre o que acontece no presente também surge de forma híbrida: ora por meio de uma comparação entre presente/passado, ora pela expectativa ou anseio do que se dará pela relação presente/futuro.
Uma vez que os processos da modernização fiam um tecido social “que subordina as forças renovadoras e experimentais da produção simbólica” (CANCLINI, p.32, 1997), a cultura também se transforma sob o olhar do imediatismo e utilitarismo contemporâneos, de forma a estabelecer uma relação de dependência do mercado. Há uma redefinição do estético frente ao econômico na medida em que o capital cultural é entendido como uma forma de validar o pertencimento do indivíduo a determinados círculos sociais, de modo que mesmo o folclore, a música e o artesanato populares quando entrelaçados às promessas de emancipação e democratização do mercado, tornam-se bens de consumo, ou seja, as fronteiras entre erudito e popular são constantemente derrubadas e reerguidas a depender de um interesse pré-determinado.
Ainda, existe uma falsa autonomia da arte apresentada pelas tentativas de ir contra aos padrões impostos pelos poderes estatais e de mercado, visto que a interpretação de qualquer obra depende de signos compartilhados pelos seus interlocutores, ainda que estes se pautem no questionamento sobre como construir uma representação do real. Por exemplo, o símbolo da banda de punk-rock, estilo musical provocativo e contestador da ordem, Ramones, hoje estampa camisetas a venda por 39,90 em lojas de departamento.
A expansão da internet tem modificado a forma de como é feita a avaliação do que é ou não é parte da cultura. Em oposição ao papel de mediador dos interesses da indústria cultural desempenhado pela televisão, a internet proporciona a legitimação instantânea daquilo que nela é vinculado por meio do número de visualizações, comentários e curtidas que a postagem recebe. Os princípios mercadológicos da eficácia e eficiência se tornam os alicerces que sustentam a divulgação cultural estabelecendo o mundo “como efervescência descontínua de imagens, a arte como fast food” (CANCLINI, p. 306, 1997).
A cultura não mais atrelada a fronteiras geográficas produz novas representações simbólicas ressignificando o que entendemos por “identidade” dentro de uma sociedade que compartilha e recombina signos condicionados por uma força heterônima e coercitiva, de modo que sempre há a sensação de estarmos pisando em uma “terra estrangeira” (CANCLINI, p. XXXVII, 1997) e desconhecida. Assim, as demarcações das dicotomias que nos cercam, como as morais “certo e errado” e “o bem e o mal”, se atenuam para que possamos mesclar coleções organizadas pelos sistemas culturais e nos definir a partir da união dos diferentes.
Fonte: CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. (4.ed.) Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997.
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