ESTADO DA ARTE - LEITURA NO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL (2)











Pesquisas sobre leitura no 9° ano do Ensino Fundamental

Larissa de Souza Oliveira
Ed 701– Ensino e Leitura
Prof. Ezequiel Theodoro da Silva     


As três dissertações de mestrado escolhidas tratam a leitura em uma perspectiva de trabalho com gêneros textuais/discursivos em atividades práticas em sala de aula com turmas do 9º ano. Atividades de leitura e escrita perpassam pelas três propostas de trabalho, com seus diferentes objetivos.
O primeiro texto analisado “Provérbios na escola e na vida: uma visão discursiva”, de Araceli Strassazapa assume a teoria de Bakhtin, de que todo texto é organizado em gênero, como pano de fundo de sua proposta de trabalho com provérbios em uma sala de aula do 9º ano, na disciplina de Língua Portuguesa. Para a autora:

o aluno irá adentrar nos conhecimentos linguísticos com maior propriedade se a ele for dada a oportunidade de buscar os conhecimentos, nas práticas de leitura, escrita e na oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos. Assim, podemos concluir que a língua é um instrumento de poder e os provérbios apresentam traços culturais fortes, características peculiares para tal reflexão. (STRASSAZAPA, 2015, p. 13)

Além disso, se pautou em outros autores para fundamentar suas afirmações sobre o gênero provérbio (Silva, Xatara e Succi) e em questões sobre linguagem, ensino e aprendizagem (Dolz e Shneuwly, Antunes, Barbier, Cavalcante, Geraldi, Kleiman, entre outros). Com o objetivo de analisar o gênero provérbio como parte da metodologia de ensino de uma turma de 9º ano, a autora utilizou-se de sequências didáticas para tratar do gênero enquanto representante da sabedoria popular e refletir sobre temas atuais apresentados neste gênero; para despertar reflexão sobre a função da linguagem e atitudes de leitores e escritores da linguagem oral. Sua metodologia de pesquisa é a chamada “pesquisa-ação” que “procura articular a produção do conhecimento com a ação educativa” (p. 55)
A sequência didática se baseou em: “apresentação da situação”, em que se avalia o que os alunos já conhecem por meio de uma “produção inicial”, neste caso, perguntou-se aos alunos sobre o gênero em questão: provérbio, o que é e quais conhecem; segue-se quatro módulos envolvendo o gênero proverbial e a produção final”, em que professor e aluno avaliam os conhecimentos adquiridos e progressos alcançados. No desenvolvimento do módulo 1, discute-se os provérbios levantados pelos alunos, procuram-se repetidos, interpreta-se sentidos, propõe-se atividades de interpretação de texto. No módulo 2, pesquisa-se pela origem de alguns provérbios, trabalha-se com o gênero fábulas; no módulo 3, pesquisa por provérbios que tratam de assuntos especificados pelo professor, propõe-se atividades de artes (confecção de cartaz, colagem, pintura) para ilustrar e interpretar o que foi encontrado. No módulo 4, trabalha-se com o texto publicitários para relacionar os provérbios com algumas propagandas. Para a produção final, fica a tarefa de produção de uma propaganda “utilizando o provérbio como recurso persuasivo” (p. 68) a fim de avaliar a compreensão da sequência didática aplicada.
A autora apresenta alguns exemplos bastante interessantes que foram o resultado desta pesquisa-ação realizada com a turma de 9º ano, como, por exemplo, a Figura 1 abaixo:

  
A autora conclui que houve reflexão crítica sobre o uso da linguagem através do desenvolvimento desta sequência didática, assim como houve percepção da linguagem enquanto interação, comunicação de acordo com a esfera de circulação no meio social, por meio do conhecimento e contextualização históricos dos provérbios estudados. Essa proposta se destaca por tratar mais de perto da cultura popular. Ao se dizer que um provérbio também é texto, também é algo a ser trabalhado em sala de aula, pode-se aproximar alguns alunos, por interesse, curiosidade.
A segunda pesquisa estudada, Adriana Alves Farias Lima, "Sequências descritivas: uma proposta de atividades de leitura para o 9º ano do ensino fundamental”, discute três gêneros textuais: informativo, crônica e fábulas Aqui já é possível pensar uma diferença em relação à pesquisa de Strassazapa, Lima fala em gênero textual e não em gênero do discurso.
Apoiada em teóricos da linguística textual, tais como: Kock, Bentes, Manguel, Kleiman, entre outros, a autora define texto como “forma de interação entre sujeitos sociais inseridos em um contexto”. (p. 18). Seu campo metodológico se pauta no teórico-analítico, com o objetivo de elaborar atividades de leitura para o 9º ano do EF, no campo do ensino de Língua Portuguesa, orientada pelo conceito de “organização do descritivo”, “partindo da visão sociocognitivo-interacional da linguagem e relacionando os princípios da coerência e informatividade” (p. 14). A autora trata detalhadamente desses conceitos em seu trabalho, porque fundamentam sua proposta de atividade.
A atividade para o 9º ano é proposta com o objetivo de criar situações comunicativas para os alunos, de forma a “estabelecer a interação com o texto; levantar suas informações, resumir as informações nos tópicos desenvolvidos; destacar esses tópicos; construir sua coerência, relacionando os tópicos desenvolvidos para a expansão textual e compreendendo a ideia principal do texto. (LIMA, 2011, p. 63).
A autora seleciona, então, três textos representativos dos três gêneros escolhidos: um panfleto representativo do gênero informativo, que objetiva a prevenção da dengue; uma crônica “Nudez”, retirada do livro de Rachel de Queiróz, “As menininhas e outras crônicas, e uma fábula “O lobo e a raposa”, retirado do livro dos irmãos Grim “Cinderela e outros contos”. A partir desses textos, se propõe: “1) levantamento das microestruturas do texto; 2) construção de macroproposições que permitam chegar à macroestrutura (ideia central) do texto; 3) identificação dos blocos do texto; 4) verificação e exame dos blocos do texto.” (p. 64). A autora descreve como se deve aplicar essa tarefa com os três textos selecionados, o total das atividades devem ser distribuídas e trabalhadas em uma sequência de total de 12 aulas.
O exercício de levantamento das microestruturas dos textos se organiza em dois momentos: o primeiro apresenta um exercício de reflexão com o texto, com questões de ordem interpretativa: Do que se trata o texto? Que fatos ocorrem? Como? Quais consequência? Em seguida, separa-se cada movimento, ação dos personagens ou do próprio texto em uma microestrutura. (p. 78-82). A discussão da macroproprosição do texto se dá pelo referente descritivo (descrição do referente do texto) constituindo ideias gerais (macroproposições) sobre o texto, seus personagens, suas ações principais. Propõe-se, em seguir, a construção de blocos do texto através da identificação das macroproposições em relação as microestruturas. A partir daqui, então, o professor organiza um quadro que explica esse bloco através do fio condutor do texto, discutindo a produção de sentido. Uma última aula seria necessária para que os alunos refletissem, em conjunto, a sequência de atividades propostas e seus entendimentos, baseados na descrição dos textos.
Esta pesquisa não foi experimentada em sala de aula, é apenas uma teorização de uma proposta para se trabalhar com turma do 9º ano, levando em conta esta proposta “abre novas perspectivas para a ampliação de estratégias de leitura por meio de sequência descritivas em diferentes gêneros textuais, contribuindo, assim, para o ensino de Língua Portuguesa no nível fundamental”. Essa estrutura proposta, bastante complexa, talvez não saia muito do mecanismo, porque, afinal, se ancora em exercícios de interpretação pré-estabelecida. Além disso, dá um caráter por demais esmiuçado de um texto, de certa forma deixando de lado o prazer da leitura.
A terceira pesquisa estudada, “Quem conta um conto aumenta um ponto: trabalhando o gênero no 9° ano do Ensino Fundamental II.”, de Aline de Azevedo Gaignoux, discute o gênero textual conto, a partir dos contos de Machado de Assis e Lima Barreto, para dar luz aos clássicos da literatura brasileira, mostrando que eles podem e devem ser trabalhados no EF. De Machado, escolheu os contos: A cartomante, A causa secreta e O enfermeiro, sendo os dois primeiros conteúdos da apostila dos alunos. De Lima Barreto, a autora optou por trabalhar com a obra “Clara dos Anjos e outros contos”, que é composta por oito textos. Gaignoux trabalhou com três deles: Clara dos Anjos, Um especialista e O caçador doméstico, indicando os demais como leitora extraclasse.
Esta dissertação se propôs a refletir sobre a forma como os textos literários são apresentados aos estudantes. Para tanto, escolheu o 9º ano do ensino fundamental, por carregar a característica de último ano dessa etapa escolar e se inferir que os estudantes já conheçam diversos gêneros textuais, como a “narração, exposição argumentação, injunção, descrição” (p. 9-10) e escolheu o gênero conto para ser tematizado por se tratar de um texto curto, passível de ser trabalhado em sala de aula. A autora defende que o trabalho com o gênero conto também pode servir de apoio para o desenvolvimento do gosto e hábito de leitura.
A autora se apoia em diversos autores, como Geraldi, Yunes, Bakhtin, Jouves, Antunes, Marcuschi para apresentar a concepção de leitura, escrita e gênero. Conclui que:

a leitura deve ser vista como uma atividade de produção de sentidos, e a escrita, com produção textual cuja realização exige do produtor ativação de conhecimento e mobilização de várias estratégias, visando à construção de sentido do texto, a partir de pistas linguísticas oferecidas pelo autor. Ler e escrever são processos de interação autor-texto. (GAIGNOUX, 2014, p. 23-24)

Se apoia também no PCN de Língua Portuguesa para pensar os gêneros textuais em sala de aula. Sua proposta se baseia em círculos literários (ou rodas de leitura) que se constituem a partir da leitura em voz alta pelo professor, leitura essa que carrega caráter de contação de história, não de leitura mecanizada, o professor é um leitor-guia do processo. Ao aluno, caberia ouvir essa leitura e partilhar suas interpretações (p. 62-64) e a partir daí, podem ser feitas diversas produções escritas. Em sua experiência, após a leitura de alguns contos selecionados (interrompidos em seu desfecho), a pesquisadora solicita aos alunos que escrevam desfechos possíveis para o ouvido e somente depois lia o final original. Em outro conto, os alunos foram convidados a relatar suas impressões sobre enredo, personagens e suas ações...
O conjunto das atividades neste formato se encerram com outra produção escrita, agora tendo roteiros pré-estabelecidos. Uma proposta foi de narrativa e outra de reflexão sobre a relação do aluno com a leitura. A autora não comenta sobre os resultados dessas atividades, apenas apresenta algumas produções dos alunos nos anexos.
Todavia, conclui que o contato regular com o texto literário desperta maior interesse de leitura nos alunos, aponta que isso foi notado no final do ano letivo com a turma trabalhada, e que por isso deve ser parte integrante do conteúdo de LP. A autora também conta que propôs aos alunos que escolhessem dois livros a cada trimestre para leitura extraclasse, tarefa da escola, e que ao liberar a escolha, os alunos se interessaram mais pela atividade.
Afirma também que o professor deve incorporar a prática de leitura em voz alta à sua rotina e que deve haver espaço para que o aluno se expresse quanto ao que é lido pelo professor e por ele mesmo. Interessante nessa proposta é justamente esse movimento de aproximação entre texto e aluno por intermédio do professor. Além disso, ao se abrir espaço para a voz do aluno quanto suas experiências de leitura e/ou contato com o texto lido ou ouvido e também quanto à escolha do que ler, certamente se abre uma via de acesso importante do espaço íntimo do leitor para com o texto.
            As pesquisas destacam que essa fase escolar (9º ano) como encerramento de um ciclo. Assume-se que os alunos já tenham conhecimentos básicos da norma culta, de gêneros textuais, mas que ainda não possuem o hábito de leitura e o trabalho com textos na sala de aula pode contribuir para isso. Interessante notar que, de certa forma, todas as propostas de trabalho, por assumirem essa posição sobre as turmas, acabam por homogeneizar os alunos, o que pode deixar de fora questões importantes fundamentais para a escolarização. Estar no 9º ano escolar, por exemplo, não é pressuposto de que o aluno conhece e entende gêneros textuais.
Além disso, as três pesquisas permitem afirmar a preocupação em formar o gosto e o hábito da leitura através do trabalho em sala de aula na disciplina de Língua Portuguesa, além disso, é grande a ênfase de se trabalhar a leitura e escrita tendo como pretexto os gêneros textuais, ou discursivos, tomando-os como forma de se trabalhar literatura (com exceção do gênero provérbio) e como textos que acontecem no cotidiano do aluno, por isso mesmo, interessantes a eles. Também tratam a leitura como interação entre leitor e texto, que produz sentido. Assumem, também, a leitura como ato da cognição e da interação humana e que, por isso, é função da escola prover ao aluno seu aprendizado.

Referências

GAIGNOUX, Aline de Azevedo. “Quem conta um conto aumenta um ponto:” trabalhando o gênero no 9° ano do Ensino Fundamental II. Dissertação de mestrado. Orientadora: Tania Maria Nunes de Lima Camara. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Letras. Rio de Janeiro. 2014. 
  
LIMA, Adriana Alves Farias. "Sequências descritivas": uma proposta de atividades de leitura para o 9º ano do ensino fundamental. 2011. 102 f. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.

STRASSAZAPA, Araceli. “Provérbios na escola e na vida”: uma visão discursiva. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem). Orientador: Suzete Silva. Universidade Estadual de Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, Londrina, PR. 2015.

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