LER É PREENCHER

Gleicy Tarossi

É engraçado a tentativa humana de definir o abstrato. É quase, em uma viagem matemática-filosófica, calcular o ser, sem números. Mais engraçado ainda é que definir o indefinível, por mais paradoxal que possa parecer, abre portas e janelas para um infinito de ideias, de jeitos e de gentes. É assim que inicio esse texto, porque me parece justo contar que preenchimento dessas linhas se deu após, em sala de aula, o professor ecoar a seguinte pergunta: por que você lê?

De início a resposta me pareceu clara e óbvia. Me pareceu retórica:  por que você não lê? Mas, em um segundo próximo, todas as teorias superficiais caíram por terra e a resposta passou a ser tão íntima e assustadoramente ampla que pareceu inexplicável através de qualquer estudo.

É claro que, em análise técnica, a leitura pode ser significada de acordo com o fim pelo qual é proposta, assim como, pelo meio em que se vive e convive. É claro que a linguística, gramática, pedagogia e psicologia explicam e estudam amplamente a importância da leitura em diferentes contextos e desenvolvimento profissional e pessoal de um indivíduo, principalmente em idade escolar.

Mas a realidade é que, intimamente falando, a leitura tem a cada ser humano um significado e peso diferente. Pode ser uma espécie de refúgio, de abraço. A leitura tem a cada um, uma referência, uma lembrança e um aprendizado. Me parece que a leitura cabe. Cabe em mim e no outro, no espaço que se tem. E preenche. Então, se me permitem uma definição pequena e simplista: ler é preencher.

Ler é transbordar o coração de amor. É tomar sorvete num domingo de verão. É vibrar com o final da história porque aconteceu exatamente como você imaginava. Ou vibrar ainda mais, porque não era absolutamente nada daquilo! Ler é encontrar aquela música da época da faculdade e preencher o dia de saudade. Ler é florir os campos, amar os outros plenamente, aceitar defeitos. Ler é reconhecer-se como humano. É como comer hambúrguer e batata frita após semanas sofridas de dieta. Ler é encaixar palavras em todos os silêncios. Encontrar respostas. Multiplicar perguntas. É o suspiro simbólico do encantamento. É abraçar apertado alguém que você não vê há tempos. É o cheirinho de café fresco pela manhã. É prazer. A leitura é uma espécie de devassidão.

A verdade, perdoem-me os não leitores, é que não há espaços, caixas, vácuos, buracos, lacunas, brechas, cavidades, silêncios, universos ou pessoas que um bom texto não preencha.

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