REPRESENTAÇÕES DA LEITURA POR KUCZYNSKI

Ezequiel Theodoro da Silva 

[...] as crianças nunca chegam à escola num estado de ignorância, mas podem chegar analfabetas. Elas talvez não saiam analfabetas, mas podem sair ignorantes...(SILVA, 2011 [1980], p. 112)
A despeito da variabilidade de concepções da leitura, o inventário de suas representações nesse ou naquele tempo, sempre a partir de um recorte específico (neste caso, de um autor, de uma obra etc.), contribui para estabilização ou desestabilização das crenças às quais não somente se vinculam, mas, dão suporte e sustentação. 

Nesse sentido, a representação é entendida como um sistema de significação linguístico e cultural que, inscrito nas relações de poder, ocupa-se da atribuição de sentidos arbitrários e indeterminados a um referente (SILVA, 2000). Por meio dela, adverte o autor, o mundo passa a existir, tal como concebido, e, na maioria das vezes, em suas formas dominantes, as quais carecem de crítica / questionamento.

Em Kuczynski, por exemplo, cartunista polonês de expressão nacional desde 2005, o ato de ler (textos impressos) é apresentado em um paradoxo: imprescindível à formação humana (pressuposto universalizado); mas, rarefeito na modernidade tardia. Veja:

Biblioteca

Oceano

Vida

Viagem com tubarões

Banho

Muitas reflexões podem ser realizadas a partir da leitura desses cartuns. Algumas essencialistas, até; contra as quais Eco (2017) parece insurgir-se, ainda que de soslaio: 
[...] a internet não se destina a substituir os livros, mas é apenas um formidável complemento a eles e um incentivo para ler mais. O livro continua a ser o instrumento príncipe da transmissão e disponibilidade do saber (o que os estudantes estudariam num dia de blecaute?) e os textos escolares representam a primeira e insubstituível ocasião de educar as crianças ao uso do livro. Além disso, a internet oferece um repertório fantástico de informações, mas não os meios para selecioná-las, e a educação não consiste apenas em transmitir informação, mas também em ensinar critérios de seleção. [...]. Se as crianças não aprendem isso, ou seja, que cultura não é acúmulo, mas seleção/discriminação, não há educação [...]. [...]Mas tudo deve girar em torno do livro. É verdade que nosso primeiro-ministro disse certa vez que não lia um romance havia mais de vinte anos, mas a escola não deve ensinar ninguém a se tornar primeiro-ministro (ou, pelo menos, não como o acima citado).
Mas, e para você, leitor deste texto? O que (não) pode a leitura, o que (não) pode o livro, na era da conectividade global e da diversidade local, já atestada pelos estudos culturais mais recentes? 

Referências

ECO, Umberto. Para que serve o professor? In: ______. Pape satàn aleppe: crônicas de uma sociedade líquida. Tradução: Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2017.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. (11ª Ed.) São Paulo: Cortez, 2011, p. 112.

SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: ______ (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.


Comentários

  1. Em relação ao "que pode ou não pode" diante as questões colocadas sobre o livro e a leitura, a princípio vou dar somente um "pitaco" pelo que veio em mente agora.
    Sem dúvida se pensarmos num momento sem a tecnologia eu não estaria aqui vendo ou lendo estes textos ou falando com os amigos e familiares em whatsapp.
    Lembro-me que na época de infância longe de computadores, contemplava a rua, olhar no horizonte...agora, quando vejo que nossos filhos já nasceram num meio tecnológico fico um pouco preocupada e às vezes não também.
    Tudo deve ter equilíbrio. A questão é como vamos buscando tudo isso.
    Fantástico poder levar seu livrinho para lá e para cá, daí vem alguém e fala: "você pode levar o celular, smart...enfim..."É diferente. Ah, diferente é.
    Daí, vale a experiência.
    O importante as pessoas experimentarem, daí podemos buscar sentidos na palavra experiência.
    O livro tem sua história e seu lugar, a tecnologia está aí, mas, o ser humano continua em desenvolvimento sempre.

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    1. Sim, buscar a experiência, permitir-se a ela, poder permitir-se, aliás, parece ser o grande desafio nesse contexto, especialmente se a concebemos tal como o fez Jorge Larrosa Bondía, em “Notas sobre a experiência e o saber da experiência” (2002 [2001]): “[aquilo] que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”. Desafio porque esse empreendimento não suporta o excesso de informação, de opinião e de trabalho e a escassez de tempo que marcam o sujeito moderno; “requer [...] dar-se tempo e espaço”, como nos adverte o autor. Assim, é possível dizer que o livro e a leitura, nessa era em que vivemos, da conectividade global e da diversidade local, pode / não pode muito. Daí a reafirmação da importância da escola e do professor. O foco de ambos, "além de ensinar, é ajudar a integrar ensino e vida, conhecimento e ética, reflexão e ação, a ter uma visão de totalidade", adverte-nos José Manuel Moran, em "Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas" (2011).

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  3. Acho bacana colocarmos essa discussão em pauta. Na biblioteconomia muito se discute a respeito do futuro das bibliotecas diante a era digital. É bem verdade, que, de alguma maneira, como disse a Luciana, as crianças que nasceram depois da internet e dos smartphones acabam privadas, de alguma maneira, de brincadeiras e condições interessantes e essenciais para o convívio e aprendizado social e humano. Eu concordo. Mas, com exceção das fontes não confiáveis de informação e da quantidade de opinião fabricada, não vejo como a possibilidade de incentivar a leitura e disponibilizar informação de maneira ampla, sem "obstáculos" como distância, transporte etc, possa parecer prejudicial ao leitor. No entanto, nos centros de cultura e ensino à leitura, penso, existe a necessidade de uma mediação que utilize recursos diferentes e apresente possibilidades para leituras agradáveis e construtivas, nos formatos digitais e nos bons e velhos livros de papel.

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    1. Concordo. O suporte, que à leitura imprime suas especificidades, e a própria atividade leitora requerem agenciamento, sob pena de servirem à instauração da sociedade da informação (já apontada como sinônimo da sociedade moderna) em detrimento da sociedade do conhecimento.

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